02 janeiro 2013

Socorro em montanha – 6ª parte - CHOQUE




Conceito de choque

É cada vez mais difícil construir uma definição mais exacta e simultaneamente sucinta do estado de choque à medida que as complexidades das alterações bioquímicas e fisiológicas vão sendo definidas com mais adequação através das investigações modernas.





O choque, segundo Smeltzer e Bare, pode ser descrito como uma oxigenação celular inadequada, acompanhada de incapacidade de excretar os produtos do metabolismo.

Outro conceito diz que Choque designa geralmente um estado de colapso do aparelho cardiovascular ou, melhor dizendo, a consequência de uma falência circulatória periférica generalizada, com perfusão tecidular inadequada.

Embora esta definição possa parecer bastante complicada, tentaremos explicar o fenómeno atras descrito para uma melhor compreensão.




O corpo humano é formado por milhões de células que, para se manterem vivas, precisam de alimentos e de oxigénio. Estes chegam até às células transportados pelo sangue. Os nutrientes são conseguidos na nossa alimentação. Do ar que introduzimos nos pulmões é extraído o oxigénio que o sangue transportará. Junto das células, o sangue entrega os alimentos (nutrientes) e o oxigénio e, na continuação da circulação, traz de regresso aos pulmões um gás, dióxido de carbono e produtos de excreção.
Quando o transporte de oxigénio, de nutrientes e produtos de excreção falha por diminuição da velocidade de circulação ou por falha do veículo de transporte, à perfusão inadequada com falência circulatória periférica generalizada: à Choque.





Portanto,  o Choque surge devido a uma depressão dos sistemas circulatório e respiratório, associado a muitas condições, como hemorragia, traumatismo, queimaduras, doenças infecciosas e insuficiência cardíaca, e resulta de uma falha de qualquer dos três aspectos da circulação: coração, resistência periférica e volume sanguíneo.
O Choque provoca uma irrigação sanguínea inadequada dos tecidos do organismo, ou seja, a quantidade de oxigénio e nutrientes que chegam aos órgãos nobres, em particular ao cérebro e pulmões, é insuficiente em função das necessidades.





Ainda que existam muitos tipos de choque, de uma forma geral e básica surgem gradualmente um conjunto de reacções em cadeia conduzindo a uma diminuição da função cardíaca (logo, insuficiente circulação sanguínea e distribuição de sangue pelos tecidos), associada a uma deficiente ventilação (logo, menor concentração de oxigénio no sangue), conduzindo a alterações mais ou menos graves do funcionamento do sistema nervoso central.
O conjunto destas reacções surge em ciclo vicioso e instala-se de forma súbita e rápida. Com o agravamento da função dos principais órgãos, começam por surgir lesões irreversíveis e, em poucos minutos, pode ocorrer uma paragem cardiopulmonar, consequência da fadiga dos músculos intervenientes na respiração.

O Choque é uma situação (não é uma doença) que requer, por isso, uma actuação de emergência imediata, no sentido de evitar a morte da vítima.






Classificação do Choque

O Choque pode ser classificado como cardiogénico, hipovolémico, neurogénico e séptico.




Choque Cardiogénico (Lesões no coração)

Este choque desenvolve-se devido a uma insuficiência cardíaca ou uma interferência na função cardíaca (ou seja, redução do débito cardíaco em consequência da diminuição da função do coração), como no caso de enfarte do miocárdio, arritmias, embolia pulmonar, hipovolémia avançada (tardia) ou anestesias epidural e geral. Os sinais traduzem o aumento da pressão venosa e o aumento da resistência periférica. Os pacientes com Choque Cardiogénico suportam com dificuldade o decúbito dorsal, agravando-lhes a dispneia pela compressão pulmonar. A melhor posição de espera é a semi-sentado.






Choque Hipovolémico (Perda de sangue ou líquidos orgânicos)

O Choque Hipovolémico surge como resultado de uma diminuição da volémia (volume circulante de líquidos ou intravascular efectivos) provocado pela perda de sangue, plasma, ou perdas hídricas em consequência de vómitos ou diarreias prolongadas. A diminuição do volume de sangue leva a uma menor actividade fisiológica do coração, reduzindo toda a circulação sanguínea. As concentrações de oxigénio no sangue ficam mais reduzidas (com menor  fornecimento às células), bem como uma menor capacidade do sangue em captar produtos tóxicos das células. Este Choque caracteriza-se, a princípio, por ansiedade e agitação nos pacientes jovens, cedendo lugar à apatia e letargia. Há uma queda de pressão venosa, elevação da resistência periférica e taquicardia.





Choque Neurogénico (Vasodilatação)

Ocorre em consequência de uma insuficiência da resistência arterial, causada por exemplo, por uma anestesia espinhal ou traumatismo vertebromedular. O Choque Neurogénico caracteriza-se por queda na pressão arterial devida ao armazenamento de sangue naqueles vasos com capacidade para alterar o seu volume. A actividade cardíaca aumenta, mantendo-se assim, um débito normal, o que ajuda a encher o sistema vascular dilatado como tentativa de preservar a pressão de perfusão.





Choque Séptico

Resulta geralmente de septicemia por Gram-negativos (por exemplo, infecção, peritonite), embora possa ser causado por vírus, fungos e bactérias Gram-positivas e Gram-negativas. Inicialmente manifesta-se por hipertermia, pulso rápido e forte, taquipneia e pressão arterial normal ou levemente diminuída. A pele encontra-se corada, quente e seca. Se a infecção não for tratada o choque séptico (conhecido nesta fase por choque séptico hiperdinâmico) pode evoluir para um choque semelhante ao hipovolémico (choque séptico hipodinâmico). A hipovolémia desenvolve-se juntamente com a depressão da função cardíaca.





Neste artigo, iremos abordar o primeiro socorro para o Choque hipovolémico por ser aquele mais frequente em situações de acidente (por exemplo, como resultado de uma hemorragia).




Causas do Choque Hipovolémico

. Perda abundante de sangue (hemorragias internas ou externas).
. Perda abundante de volume intravascular (infiltração nos tecidos no local de queimaduras, contusões ou esmagamentos).
. Perda abundante de líquidos do intestino (vómitos de repetição, diarreias, processos febris constantes, utilização excessiva de diuréticos).




Factores predisponentes

. Idades extremas (crianças e adultos)
. Estado de saúde prévio
. Uso de medicamentação
. Causas, duração e gravidade das hemorragias.




Sinais e sintomas

Todas as vítimas de acidentes que manifestem hemorragias graves, lesões de esmagamento, fracturas simples e complicadas, amputações, queimaduras ou qualquer outra ferida grave, estão sujeitas a desenvolverem um estado de Choque. 

O sintoma, é aquilo que a vítima diz ter, por exemplo: uma dor de cabeça, uma tontura ou uma falha de visão.

O sinal, é aquilo que vemos na vítima, por exemplo: a cor da pele, sangue, etc.

Os sinais e sintomas do Choque são variados e nem sempre presentes.





Percentagem de volume sanguíneo perdido:

< 20% (leve);  20 a 40% (moderado);  >40% (intenso)

Nível de consciência:

Ansioso, porém orientado e alerta (leve);  agitado, mentalmente confuso,  vertigens (moderado);  letárgico, inconsciente (intenso)

Ventilação:

Profunda e rápida (leve);  superficial e rápida (moderado);  ainda mais superficial e rápida (intenso)

Pulso:

Rápido, preenchimento capilar prolongado (leve);  rápido, fraco e filiforme (moderado);  muito rápido, irregular sendo difícil encontrar ou palpar um pulso periférico (intenso)

Diminuição da perfusão:

Pele, camada lipídica, músculos esqueléticos, ossos (leve);  fígado, intestino, rins (moderado); cérebro, coração (intenso)

Pressão arterial:

Normal, 120/80 mm Hg (leve);  hipotensão ortostática, 60/90 mm Hg (moderado);  hipotensão profunda sistólica <60 b="b" hg="hg" mm="mm" style="mso-bidi-font-weight: normal;">intenso
)

Pele:

Fria, pálida, coberta de suores frios, nomeadamente as extremidades (leve);  fria, pálida e húmida (moderado);  fria, pegajosa, lábios e unhas cianosados (a cianose consiste na pigmentação azulada da pele e das mucosas, resultado de quantidades elevadas de hemoglobina desoxigenada) (intenso)

Débito urinário:

Acima de 50 ml/h (leve);  secura de boca, dos lábios e da língua, Oligúria: 10-25 ml/h (moderado);  secura de boca, dos lábios e da língua 10 ml/h ou mesmo anúria (intenso)




Actuação de emergência

Todos os pacientes que se encontrem em Choque devem receber a seguinte actuação do socorrista/montanheiro:

. Dar o alarme e pedir ajuda se for possível.

. Combater a causa desencadeante: controlar hemorragias, cobrir todas as feridas após cuidada limpeza. Imobilizar possíveis fracturas, etc, incutir palavras de ânimo, conforto e confiança à vitima.

. Aliviar toda a peça de vestuário que oprima o acidentado, a fim de facilitar a circulação sanguínea, principalmente na zona do pescoço, peito e cintura.

. Posicionamento: se estiver consciente, posicionar a vítima com elevação dos membros inferiores, o que contribui para o aumento do retorno venoso e da volémia efectiva.





No caso de traumatismo das extremidades, e com a pressão arterial baixa mas moderada, pode optar-se pela posição de Trendelemburg, utilizando um plano duro, desde que não se verifique agravamento da ventilação pulmonar por compressão das vísceras abdominais sobre o diafragma.

. Nas demais situações, e no caso da posição de elevação dos membros inferiores ser desconfortável para o sinistrado, pode-se colocar em decúbito dorsal (de costas).

. Manter a temperatura corporal. Cobrir o sinistrado com mantas (se possível colocar manta por baixo da vítima para evitar o contacto com o solo e possível arrefecimento), saco cama, lençol isotérmico, etc.

. A um paciente em Choque (quer esteja consciente ou inconsciente) não se deve dar  a tomar nenhum alimento sólido ou líquido. Se o sinistrado refere que tem uma sede insuportável, o socorrista/montanheiro poderá ajudá-lo humedecendo-lhe os lábios e a língua com uma compressa ou bocado de pano limpo embebido em água.

. Avaliar e registar os sinais vitais do sinistrado, transmitindo-os à equipa de resgate que porventura deverá aparecer.




. Posição lateral de segurança (PLS). Esta posição deve ser adoptada se a vítima apresenta lesões na face, boca e pescoço, que provocaram hemorragias para a parte superior das vias aéreas, ou em caso de inconsciência, desde que não se suspeite de trauma.

Dentro destas medidas, a execução da posição lateral de segurança. Vulgarmente designada abreviadamente por PLS, será a que requer maior destreza e treino por parte do socorrista/montanheiro, e para a execução desta, devem-se observar os seguintes princípios de execução, após confirmar que a vítima se mantém a ventilar e com presença de sinais circulatórios:




1 – Pedir a alguém que procure ajuda e alerte as equipes de resgate.

2 – Ajoelhar ao lado da vítima com um dos joelhos ao nível da linha inter-mamilar e o outro ao nível da linha umbilical;

3 – Manter a via aérea permeável através de uma correcta extensão de cabeça e da lateralização da mesma para o lado onde se encontra o socorrista/montanheiro;



4 – O membro superior da vítima do lado do socorrista/montanheiro deve ser articulado pelo nível do ombro e colocado para junto da cabeça de modo a ficar ao seu lado;





5 – As mãos do socorrista/montanheiro vão pegar nos membros do lado oposto da vítima, procurando situar uma ao nível do antebraço, evitando fazer quaisquer rotações deste, e a outra por debaixo do joelho, fazendo com que esta articulação fique em flexão;


6 -  Com os joelhos bem firmes no solo, o socorrista/montanheiro puxa suavemente naqueles pontos de modo a que a vítima fique em decúbito lateral, apoiando-a se necessário com as suas coxas, até que a estabilidade final da posição seja conseguida.





Em caso de a vítima agravar o seu estado e passar para uma situação de paragem ventilatória ou cardíaca, esta posição permite que se possa voltar a vítima com facilidade para o decúbito dorsal.





Nunca é demais lembrar, que estes métodos necessitam de treino e supervisão de um profissional, portanto aconselhamos a frequência de um curso de socorrismo, de forma a aprender simples gestos que salvam vidas, mas que se utilizados inadequadamente, podem retirá-la. Sejam conscientes e…





Boas caminhadas

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