26 setembro 2012

Trovoadas – Os Raios (2ª parte)




Nas regiões montanhosas as tempestades produzem-se com maior frequência do que nas planícies. Por isso os montanheiros estão mais expostos às mesmas do que uma pessoa dita normal. Lógicamente que qualquer montanheiro deseja manter-se fora do alcance dos raios, por isso deve adoptar algumas medidas de precaução para se proteger dos mesmos, ou pelo menos para não os atrair. No entanto, se além de conhecer estas medidas, se quiser compreender o significado das mesmas, é necessário ter alguns conhecimentos básicos sobre a formação do raio, a sua propagação e os seus efeitos.




Ao contrário do raio esférico ou globular, o qual  é muito raro, a formação do raio linear (o mais comum), está, em linhas gerais, muito estudado. O raio linear hoje em dia define-se como sendo uma descarga entre nuvens de diferentes cargas eléctricas ou entre estas e a terra. Aproximadamente 75% dos raios acontecem entre as nuvens, enquanto que apenas 25% ocorrem entre as nuvens e a terra.

Ainda que o ar seja um isolante eléctrico relativamente bom, se for exposto a um campo eléctrico intenso vai-se ionizar, aumentando a sua condutibilidade.  A carga eléctrica depende principalmente da situação meteorológica.  Enquanto que no solo existe uma repartição da carga negativa, na atmosfera esta é positiva. No caso de se formarem massas de ar estratificadas e instáveis que arrefecem por força da sua elevação, origina-se uma tempestade, pois a condensação do ar húmido em altitude reforça a corrente de massas de ar ascendente  e por conseguinte a diferença de cargas,  originando um aumento da respectiva tensão.

As correntes de massas de ar ascendente originam as típicas nuvens de tempestade, facilmente reconhecíveis por serem planas na sua parte superior. Devido à sua forma, os meteorologistas chamam-lhes nuvens bigorna. Nas nossas latitude estas nuvens alcançam altitudes situadas entre os 10.000 e os 12.000 metros.



Ao ascender, o ar húmido e quente arrefece. Se alcançar a barreira dos 0ºC, as pequenas gotas de água transformam-se em partículas de gelo, que estão rodeadas por uma ínfima camada de água. A partícula de gelo possui uma carga negativa, enquanto que a água que o rodeia está carregada positivamente. Por efeito de aceleração e desaceleração da partícula de gelo num movimento convulsivo de rotação, a cobertura de água separa-se mantendo a sua carga eléctrica. As gotas de água, geralmente mais leves são impulsionadas para cima com a sua carga positiva. Assim, desta forma, numa nuvem de tempestade ocorre o mesmo que num gerador, ou seja, produz-se uma tensão eléctrica.

Embora não se tenha estudado detalhadamente os processos concretos que se verificam no interior de uma nuvem de tempestade, todos os especialistas concordam em afirmar  que as correntes de ar húmido, quente e ascendente, produzem tensão eléctrica. Com isto, as nuvens de tempestade carregam-se na parte superior e inferior de forma positiva, enquanto que um pouco mais abaixo do centro, se encontra uma camada de carga negativa. Neste caso o ar assume um papel isolante. Se a tensão aumentar mais do que a capacidade isolante que o ar suporta, produzie-se-á, durante um curtíssimo período de tempo uma descarga eléctrica  que iguala a diferença de carga, que assim actua de forma a que a tensão desapareça. Podemos então dizer que se produziu um raio.




As nuvens de tempestade apenas se podem formar se as camadas da atmosfera estiverem instáveis.
Esta instabilidade pode ser originada por vários factores:

. A radiação solar - provoca um aquecimento das camadas próximas do solo, e por conseguinte a formação de tempestades quentes.

. Elevação frontal - a passagem de frentes, principalmente das frias, desencadeia um arrefecimento e com ele a formação de frentes tempestuosas.

. Arrefecimento por emissão em altura ou por aportação de ar mais frio em altura - nos dois casos p fenómeno provoca um arrefecimento da atmosfera e a formação  de tempestades.

. Elevação de massas de ar quente e húmido perante obstáculos montanhosos - também esta situação origina um arrefecimento do ar em altura e,  dessa forma, a formação das chamadas tempestades orográficas.






As árvores solitárias

Se confrontado com uma nuvem carregada  positivamente, existir um objecto que sobressaia, pela sua elevação, numa superfície de forma destacada, o campo eléctrico à sua volta será reforçado. Esta elevação pode favorecer a ionização do ar e deste modo , ocorrerá uma descarga, que atrairá os raios. Não é nada mais do que o principio dos para-raios.



Técnicamente um para-raios é construído com material de elevada condutibilidade eléctrica. Se a graduação de potencial for elevada, quer dizer que existe uma tensão suficientemente forte, que qualquer coisa que se destaque ou sobressaia à sua volta se pode converter num para-raios.



Como na montanha a chuva costuma aparecer associada ao frio, o montanheiro vê-se obrigado a procurar abrigo debaixo de algo. Ainda agora acabamos de prevenir sobre o perigo de queda de raios sobre árvores solitárias, e no entanto o montanheiro procura normalmente abrigo debaixo destas. Apesar de alguns ditados populares, frisarem que existem determinadas espécies de árvores com efeitos protectores, advertimos que nunca nos devemos abrigar debaixo de uma árvore em situações de tempestade.

O Para-raios humano

Quando uma pessoa está no ponto mais alto de determinada área, acaba por se converter num para-raios, correndo por isso o sério risco de ser alcançado directamente por uma dessas descargas eléctricas. 

Também no corpo humano, a electricidade toma o caminho de menor resistência. Segundo o professor Flora e o Dr.Phleps, de Innsbruck, o raio percorre principalmente a superfície da pele, pois esta costuma estar mais húmida, principalmente na montanha, devido à produção da transpiração inerente à actividade. O trajecto do raio pode ser verificado posteriormente pela análise do cabelo chamuscado, assim como pelas queimaduras e roupas rasgadas ou queimadas. Também o interior do corpo humano com os seus órgãos vitais é percorrido por uma parte do raio, que costuma deixar uma marca no local de saída, e um sinal menor no local de entrada.



 Juntamente com as marcas das queimaduras, consequência de uma caída mais ou menos directa de um raio, podem aparecer outras lesões e consequências: A perda dos sentidos, falhas do sistema nervoso central, alterações do ritmo cardíaco, convulsões, paralisação e outros transtornos neurológicos. A morte devido à queda de um raio é originada pela paralisação do sistema respiratório e devido a paragem cardíaca.



A respiração boca-a-boca e a massagem cardíaca costumam obter resultados positivos como técnicas de reanimação, se forem efectuadas de imediato. Além das lesões primárias, podem aparecer algumas de carácter secundário, como por exemplo, devido a uma queda por força do desmaio.

O fenómeno do Raio Globular

Sobre o tema da formação e propagação dos raios globulares, reina o mais absoluto desconhecimento, pois a sua aparição é extremamente rara. Ao contrário dos raios lineares, o raio globular nunca se conseguiu provocar em laboratório, por este facto toda a informação se baseia nas escassas observações.

A maioria dos raios globulares têm um diâmetro de menos de um metro, sendo o mais comum de cerca de 20cm. As cores observadas vão de laranja, a vermelho e do amarelo ao azul. A velocidade estimada do raio globular é de 2 ou 3 m/s. Pode-se dizer que o raio globular se desloca flutuando.





Também chama a atenção o seu tamanho, que é inferior ao do raio linear. A longevidade que se pode observar um fenómeno destes, costuma variar entre uns escassos  segundos e um máximo de meio minuto. A maioria destes raios observados terminam repentinamente, apagando-se sem nenhum ruído ou com um simples estalido.

Os seus efeitos vão desde o mero contacto com pessoas e objectos, em que o raio não deixa vestígios, até aos contactos de forma explosiva que podem originar destroços em objectos ou edifícios e feridas mortais em pessoas e animais.

Alguns conselhos para actuar perante os raios:

. Fugir das tempestades antes de estas chegarem.






. Consultar a previsão meteorológica antecipadamente.

. Perante uma situação concreta de tempestade a primeira coisa a fazer é abandonar imediatamente arestas e cumes. Convém procurar locais onde existam saliências ou aglomerados de rochas que estejam mais próximos das nuvens do que nós. As paredes protegem-nos  desde que  sejam altas e estejamos afastados delas  cerca de 2 a 8 metros, mas os tectos e as saliências não oferecem segurança.



. Convém ter presente que os raios podem cair até 10 km afastados da frente da tempestade.

. Evitar as denominadas “correntes de terra”  é mais difícil, mesmo que estejamos afastados de pontos altos, e portanto, relativamente seguros. As correntes de terra podem-se espalhar pelas linhas de menor resistência eléctrica, como as fendas, com o perigo de nos alcançarem e provocarem lesões nas nossas funções vitais ao passar a electricidade pelo corpo.


Alguns conselhos para evitar ou minimizar as consequências das “correntes de terra” são:

. Evitar as zonas molhadas, fendas e canais.

. Procurar que o corpo ocupe o menor espaço possível, colocando os pés juntos e as mãos afastadas do solo, sentados ou agachados, se possivel, sobre objectos isolantes, como uma corda enrolada, um saco cama, uma mochila, etc, de preferência, secos.






. Mantermo-nos afastados de pequenas depressões, eleger antes uma elevação estreita e fina, uma pequena rocha solta numa pendente também é optima eleição.

. Não nos devemos proteger em pequenos tectos, acidentes de terreno, blocos isolados ou pequenas cavernas. As cavernas  grandes são adequadas se nos sentarmos  na mochila ou algo similar e nos mantivermos afastados das paredes e da entrada (pelo menos a 1 metro dos lados, do tecto e da entrada, e a 2 metros do fundo da caverna. No entanto uma caverna pode ser o final de uma fenda, e nestes casos deve ser evitada.

. Se estivermos sob uma plataforma, devemos sentar-nos na borda exterior, afastados da parede, se for possível, a um mínimo de 1,20 metros. Devemos atar-nos a uma corda, se existir o risco de cair desamparado após uma descarga eléctrica, com uma união perpendicular  relativamente ao possível fluxo da corrente eléctrica. Não se deve colocar a corda por baixo das axilas, o ideal será prender a corda ao tornozelo, o mais afastado possível do coração.




. Evitar as descidas em rappel quando exista perigo de raios, no entanto esta técnica pode ser útil se for usado para nos afastarmos de uma zona de maior perigo.

. Se fizermos parte de um grupo, cada montanheiro deve afastar-se dos demais a uma distância aproximada de 2 metros.

. As peças metálicas do equipamento não atraem (ao contrário da crença popular) os raios. Apenas são boas condutoras de corrente eléctrica, pelo que será aconselhável coloca-las um pouco afastadas do contacto com o nosso corpo.

. Em vias ferratas, se não existir perigo de caír, será melhor não segurar nos cabos, escadas metálicas, etc, e se tal não for possível, deve-se aumentar a autossegurança de forma que um cordino faça uma ligação que toque constantemente no solo.








. Se estivermos em refúgios de montanha, devemos adoptar também precauções de forma a evitar as correntes de ar que podem atrair os raios, fechando as janelas e portas e ainda afastando-nos das chaminés e lareiras.

Mesmo adoptando todas as formas de segurança, o montanheiro pode ver-se afectado pelo impacto directo de um raio ou pela sua irradiação.






Sintomas e sinais

. Situações menores:

O ferido está consciente, por vezes confuso, com amnésia (perda de memória), que pode durar entre 2 a 5 dias. Pode provocar cegueira ou surdez transitória, formigueiro nas extremidades, queimaduras superficiais e indolores e traumatismos devido à onda de choque. A evolução é quase sempre favorável.

. Situações moderadas:
 
O acidentado está desorientado, pode sofrer paralisia  das extremidades. Apresenta também  pele pálida, pulso fraco por hipotensão. Depois da sincope (perda de consciência), a actividade cardíaca aparece em menos de 3 minutos. Existem queimaduras de primeiro e segundo grau, nos pontos de entrada e de saída da corrente eléctrica.

. Situações graves:

A pessoa atingida apresenta, normalmente, os seguintes sinais:

Paragem cardíaca ou fibrilação ventricular.

Lesões localizadas:

Lesão ocular: Podem aparecer cataratas, inclusive 2 anos mais tarde.

Lesão auditiva:  Mais de 50% dos casos apresentam uma perfuração do tímpano, com surdez, vertigens e náuseas.

A pessoa ferida por um raio, se não morrer imediatamente, além das queimaduras superficiais ou profundas, pode sofrer uma asfixia ou síncope. Nos casos mais benignos, apenas existirá dor localizada.






Tratamento

O tratamento de urgência, enquanto o ferido não chega ao hospital, é a reanimação cardiopulmonar, quando seja necessária e o tratamento das queimaduras efectuado com frio local e cobertura estéril (com ligaduras esterilizadas,  se existirem), assim como a sedação e analgesia para acalmar a dor.

Sublinha-se ainda, que os montanheiros de máximo risco, são o início e o final da tempestade, pelo facto de serem esses os momentos em que a vítima tem tendência para subestimar o perigo.





Quando a tempestade se aproximar recordem estes apontamentos… eles poderão evitar que viremos churrasco!

Boas caminhadas.