23 julho 2014

Altitude: o ambiente hipobárico da Terra (8)




Aclimatação à altitude

Uma ascensão rápida até ao cume do Everest (>8.840 metros de altitude) poderia originar uma perda de conhecimento e a morte. Apesar disso, os alpinistas que o subiram utilizando algumas semanas, sem usar oxigénio suplementar, apenas manifestaram problemas médicos menores. O processo pelo qual o ser humano se adapta progressivamente à hipoxia, para melhorar o rendimento e aumentar as suas possibilidades de sobrevivência é conhecido como aclimatação à altitude.





 Uma aclimatação com sucesso também melhora o sono e protege contra as condições provocadas pela altitude. O britânico Doug Scott – que conquistou com êxito o Evereste, o Mckinley e vários dos cumes mais altos do mundo – comentou o seguinte acerca da importância que tem a aclimatação: “Não, eu não me aclimato depressa, mas uma vez que já o fiz, parece que me desenrasco bem. Tenho que ter umas boas três semanas antes de me apetecer escalar… Não conheço ninguém que não beneficie de três semanas de aclimatação”. A sua estimativa de tempo necessário para aclimatar foi referendado por vários cientistas.





No ser humano ocorrem numerosas adaptações fisiológicas durante uma exposição num ambiente hipobárico-hipóxico como o do Monte Everest. Muitas delas foram esclarecidas em estudos que levaram visitantes procedentes de terras baixas para locais situados em altitudes altas ou extremas.





. Durante várias semanas em altitude a graduação de O2 entre os alvéolos e o sangue aumenta durante o exercício, aumentando portanto o conteúdo arterial de O2 e reduzindo a hipoxia.





. Os receptores químicos das artérias carótidas do pescoço ficam mais sensíveis à hipoxia e estimulam uma maior ventilação, aumentando portanto os níveis de O2 no sangue. Esta resposta é vital, pois sem ela, o cérebro não conseguia sentir o perigo de uma baixa de O2 no sangue arterial. No entanto ao final de várias semanas e meses, esta adaptação perde garra. O lugar onde se produz esse efeito podem ser os corpos carotídeos do pescoço, porque ficam com uma dilatação estrutural e umas mudanças bioquímicas significativas.





. Uma maior produção de glóbulos vermelhos, já começa a ocorrer no primeiro dia de exposição à altitude, devido à produção da hormona eritropoietina pelos rins, No entanto, essa melhoria na produção é acompanhada por uma redução em volume, do plasma. O resultado real, é que o volume total de sangue não aumenta durante os dois primeiros meses de estadia em altitude. Depois disso, o volume de glóbulos vermelhos continua a aumentar durante pelo menos um ano e provavelmente mais tempo. É possível que esta policitemia natural (que normalmente é estimulada por traumatismos, parasitas ou má nutrição) pode ser uma resposta inadequada à altitude, pois pode reduzir o rendimento quando se fizer exercício ou se trabalhar. A aclimatação a longo prazo, no entanto, aumenta o volume de plasma e aumenta a massa de glóbulos vermelhos, dando lugar portanto, a um aumento do volume total de sangue.





. A medula óssea consome mais ferro para formar mais hemoglobina, começando este processo, 48 horas após a exposição a altitude.

. A mioglobina (o equivalente muscular à hemoglobina e local onde se armazena o O2) dos músculos estriados, ou seja, a musculatura esquelética aumenta.

. A área transversal da fibra muscular diminui com uma exposição crónica à hipoxia, a densidade capilar permanece inalterada ou diminui e a densidade mitocondrial não muda. Isto significa que uma rede de capilares constante, fornece a uma maior massa muscular, o que origina como resultado um maior aporte de O2.





. O cociente entre o metabolismo aeróbico e o anaeróbico aumenta de forma que a produção de energia (quer dizer, formação de ATP) é mais eficaz e a produção de ácido láctico é menor. Esta adaptação metabólica ocorre, em parte, porque aumenta o conteúdo intramuscular de enzimas mitocondriais e respiratórias.





Todas estas respostas servem para melhorar o aporte de O2 aos músculos ou aumentar a quantidade de energia gerada pelo metabolismo aeróbico. Isto é significativo, pois a quantidade de ATP que pode derivar de uma determinada quantidade de alimento é muito maior para a via aeróbica do que para a glicose anaeróbica. Estas adaptações atuam harmoniosamente para compensar os  efeitos nocivos da hipoxia e melhorar o rendimento físico em altitude, tornando-o mais parecido ao que se daria ao nível do mar.





Como a hipóxia limita o rendimento físico e induz doenças em altitudes extremas, é razoável perguntar se existe alguma altitude acima da qual o ser humano não se possa aclimatar mais. A resposta a esta pergunta, é que sim. Geralmente a aclimatação detém-se e o bem-estar físico deteriora-se acima dos 5.200 metros. Este processo consiste na perda de peso corporal e um pioramento da visão, da memória,  do sono e da capacidade para fazer cálculos. Na América do Norte existe uma série de cumes acima dessa altitude, incluindo o McKinley no Alasca e o Monte Logan no Canadá. Os alpinistas que se preparam para ascender os cumes mais altos não ganharão aclimatação, aliás, provavelmente perderão a aclimatação à medida que passem mais tempo acima dos 5.200 metros. Os alpinistas sabem que aclimatarem-se a altitudes intermédias melhora a tolerância ao exercício a altitudes muito maiores e reduz o tempo necessário para se adaptarem de forma satisfatória. Isto explica o porquê da maioria das expedições em altitudes extremas ascenderem por etapas, permanecendo em elevações intermédias durante vários dias ou semanas.





Desde meados da década de 1970, vários alpinistas especializados têm utilizado uma nova técnica. Diversos dos melhores alpinistas do mundo realizaram ascensões incrivelmente rápidas em altitudes muitos elevadas e sem oxigénio, sem sofrerem consequências graves. É conhecido por “estilo alpino”. Esses alpinistas costumam passar semanas trabalhando ou escalando a altitudes que variam entre 4.300 e 5.200 metros. Portanto estavam suficientemente aclimatados para ficarem protegidos durante as 24 a 60 horas de ascensão desde o campo base e regresso ao mesmo. Das suas experiências é razoável tirar as seguintes conclusões: a) o estilo alpino requere uma aclimatação suficiente a uma altitude inferior, antes do ataque ao cume e b) subir um cume grande com o estilo alpino é possível sem aclimatação se a cordada conseguir subir e baixar antes de se ocasionarem condições graves.






Na próxima semana não publicaremos o habitual artigo, devido ao facto de nos deslocarmos para o Monte Rosa, mas no regresso voltaremos à normalidade.

Até lá…





Boas caminhadas