24 julho 2012

A altitude, a aclimatação e a necessidade de aclimatar



A  altitude

O ar que respiramos contém cerca de 21% de oxigénio. Esta proporção não varia com a altitude, no entanto a pressão atmosférica diminui gradualmente, fazendo com que a pressão do oxigénio nos pulmões seja cada vez menor. Por este motivo, o oxigénio passa cada vez com mais dificuldade para o sangue e para os tecidos.



A hipoxia (diminuição do oxigénio nos tecidos) é a consequência da diminuição da pressão parcial de oxigénio no ar inspirado. A grandes altitudes, o aporte de oxigénio para os tecidos quase não supera o nível necessário para manter o metabolismo básico o que acarreta que, por exemplo no cume do Everest,  o Homem se encontre no limite da sobrevivência. A grandes altitudes o organismo vê-se forçado a trabalhar mais para obter oxigénio e por este motivo, a respiração e a frequência cardíaca tornam-se mais rápidas.

Numa segunda fase, se a altitude for considerável e a permanência aí superar uma semana, aumentará o número de glóbulos vermelhos de modo a facilitar a captação, transporte e atribuição de oxigénio aos tecidos, e isto apesar da hipoxemia (diminuição de oxigénio no sangue).



A hipoxia também provoca mudanças químicas nos líquidos corporais, aumentando a quantidade de urina. Se não se produz aumento de urina, pode ser indicação de que o montanheiro está desidratado ou mal aclimatado.

A aclimatação é o processo mediante o qual, o organismo se adapta à descida de oxigénio disponível em virtude do aumento da altitude.
Esta situação implica normais mudanças  no organismo que se traduzem em:

. Respiração rápida.

. Respiração curta durante o exercício.

. Aumento da urina.

. Respiração periódica nocturna: respiração rápida seguida de breves paragens respiratórias que podem durar até 10-15 segundos.

. Acordar frequentemente durante a noite.

. Sonhos estranhos.

A hiperventilação (ventilação rápida e/ou profunda) persistente, produz uma diminuição excessiva do nível de dióxido de carbono no sangue. O aumento de dióxido de carbono (mais que a diminuição de oxigénio) é o sinal principal que indica ao cérebro que deve respirar, por esta razão, quando se hiperventila durante o sono nocturno, pode aparecer a chamada respiração periódica que consiste em paragens respiratórias de 10-15 segundos, até se alcançar um nível suficiente de dióxido de carbono no sangue que estimula o cérebro para que este desencadeie a respiração, provocando assim uma respiração rápida compensatória.



O mal de montanha aparece quando o organismo não tolera a diminuição de oxigénio (hipoxia) a grande altitude. Apesar de não representar um grave problema nas montanhas do nosso meio ambiente, pode surgir a altitudes moderadas. 

Os sintomas ligeiros podem aparecer em cerca de 25% dos montanheiros que sobem e permanecem umas horas a mais de 2500 metros e a cerca de 30% dos  que estão a 3000 metros. A partir dos 4500 metros pode afectar cerca de 75% dos montanheiros, originando problemas mais graves, e a partir de 6000 metros a mortalidade pode-se tornar elevada, ainda que já se tenham registado casos mortais abaixo dos 3000 metros.




Patologia relacionada com a altitude

A má adaptação à altitude pode produzir uma série de situações adversas, das quais o mal de montanha é  a mais frequente, mas pode também evoluir para situações mais graves como são o caso do edema pulmonar (acumulação de água no pulmão) e do edema cerebral (acumulação de água no cérebro), que muitas vezes produzem a morte.

Diagnóstico:


MAL DE MONTANHA

O mal de montanha costuma aparecer entre as 6 e as 10 horas de permanência a grande altitude, ainda que em determinados casos apareça ao fim de uma hora e noutros casos ao fim de 96 horas. É mais frequente em pessoas que residem normalmente a menos de 900 metros de altitude e pessoas com menos de 50 anos. As mulheres são menos susceptiveis ao edema pulmonar, mas sofrem de mal de montanha com a mesma frequência que os homens. A preparação física não protege contra o mal de montanha. Geralmente melhora-se espontaneamente ao fim de 5–7 dias de permanência em altitude. No entanto por vezes evolui para situações graves como o edema (acumulação de líquido) cerebral e/ou pulmonar.

O diagnóstico de mal de montanha é avaliado por uma dor de cabeça associada a um dos seguintes sintomas:

. Fadiga e fraqueza desproporcionada com a intensidade do exercício físico realizado.

. Vertigens.

. Sintomas gastrointestinais (perda de apetite, náuseas, vómitos).

. Insónias.

A dor de cabeça costuma ser intensa, pulsátil, aparece à noite e não melhora com as doses habituais de paracetamol (500mg cada 6-8 horas) ou ibuprofeno (400-600mg cada 6-8 horas).



Podem ainda aparecer os seguintes sintomas associados:

. Tosse persistente, sufoco com pequenos esforços , estertores pulmonares.

. Irritabilidade.

. Alteração da marcha.

. Diminuição da quantidade de urina.

Perante sintomas de mal de montanha, não se deve continuar a ascenção, pois pode agravar-se e provocar a morte por edema cerebral.


EDEMA PULMONAR

O edema pulmonar pode surgir durante a primeira semana de permanência em altitude, e o seu diagnóstico requere pelo menos dois sintomas e dois sinais, constantes da seguinte lista:

 O edema pulmonar pode evoluir para um edema cerebral e provocar a morte em poucas horas.


EDEMA CEREBRAL

O edema cerebral caracteriza-se por:

. Distúrbios do estado mental e/ou da marcha em pessoas com mal de montanha. Parecem embriagados, incapazes de caminhar em linha recta com um pé à frente do outro.

. Distúrbios do estado mental e da marcha em pessoas sem sintomas de mal de montanha. Pode evoluir para o coma e a morte em poucas horas.




OUTRAS PATOLOGIAS RELACIONADAS COM A ALTITUDE

. Retinopatia (lesão da retina do olho). Normalmente é assintomática e resolve-se espontaneamente no espaço de uma ou duas semanas. Aconselha-se uma boa hidratação para reduzir a concentração do sangue na retina.

. Edema (acumulação de água) periférico de mãos, cara, etc. Pode-se tratar com diuréticos se não existir mal de montanha concomitante.

. Estase venosa (estancamento do sangue nas veias) e complicações trombóticas (formação de coágulos de sangue). É devida a uma combinação da desidratação, excesso de glóbulos vermelhos, frio e roupa apertada. É aconselhável manter-se activo, bem hidratado e se necessário descer da montanha.

. Imunodepressão (diminuição das defesas do organismo) com maior susceptibilidade para contrair infecções bacterianas.

. Faringite e bronquite - a tosse por exposição a grandes altitudes não é nestes casos acompanhada de febre, nem de sufoco durante o descanso, nem pele azulada e a auscultação pulmonar não apresenta ruídos do tipo de estertores ou sibilantes (chiadeira). Pode-se prevenir em parte, com máscaras faciais e boa hidratação. Trata-se sintomaticamente com codeína (Codeisan 30 mg de 4 a 6 horas).

. Queratite (inflamação da córnea do olho) devido aos raios ultra violetas. Previne-se com a utilização de uns bons óculos de grande protecção UV.




PREVENÇÃO

Aclimatação

O tempo necessário para nos adaptarmos à altitude é variável. As mudanças respiratórias e bioquímicas, podem ocorrer entre 6 e 8 dias, mas o aumento de glóbulos vermelhos requer 6 semanas para alcançar um máximo de 90%. Geralmente aos 10 dias, consegue-se uma adaptação de 80% e às 6 semanas de 95%.



. Apesar da tendência actual de efectuar ascensões rápidas, com a segurança que daí advém pelo facto de se estar menos tempo expostos aos riscos da montanha, o risco de ser afectado pelo mal de montanha é menor adoptando-se o seguinte ritmo de ascensão: passar pelo menos duas noites a 2500 – 3000 metros. A partir dos 2500 metros não se deve superar os 600 metros de desnível por cada noite, ainda que durante o dia se alcancem altitudes superiores. A cada 1000 metros de desnível, deve-se passar uma segunda noite à mesma altitude que na noite anterior. Acima de 3500 metros, não se devem realizar esforços intensos, deve-se subir lentamente, nunca superando  os 300 – 400 metros de desnível diários e deve-se descansar um dia por cada dois de ascensão. Em altitudes superiores a 5000 metros, quando se efectuam ascensões de 200 metros diários, sucede que  em pessoas que já apresentem mal de montanha moderado, estarão a acelerar um edema cerebral.

. Se aparecerem sintomas de má aclimatação, deve-se parar a ascensão.

. A melhor prevenção do edema cerebral consiste em perder altitude quando aparecem sintomas de mal de montanha.

. Deverá fazer-se uma boa hidratação e adoptar uma dieta variada com alta percentagem de hidratos de carbono. A desidratação é a primeira causa da dor de cabeça em altitude. Se após beber um litro de água e tomar um analgésico, a dor de cabeça passar e não existirem outros sintomas de mal de montanha, pode-se atribuir o seu motivo à desidratação.

. A acetazolamida em doses de 125-250 mg, tomado a cada 8 ou 12 horas, durante os primeiros 4 a 7 dias, poderia ser útil em casos especiais, mas não se recomenda de forma generalizada , devido à desidratação que pode produzir com o aumento da diurese. Pode ser útil para melhorar a respiração periódica nocturna, quando esta apresenta transtornos (125 mg uma hora antes de dormir). Em princípio, apenas se aconselha a sua utilização, quando existe história prévia de mal de montanha, ou quando é inevitável a ascensão rápida. O seu efeito verifica-se após 24 a 48 horas. Quem for alérgico a sulfamidas não pode consumir a acetazolamida.  Os efeitos secundários mais comuns são o formigueiro e alterações de paladar, que desaparecem ao parar a medicação.

. A nifedipina em doses de 20 mg a cada 8 horas pode ser útil em alpinistas com antecedentes prévios de edema pulmonar. Deve ser administrado sob conselho médico, pois pode provocar hipotensão e taquicardia.




TRATAMENTO

Mal de Montanha

A próxima tabela ajuda a avaliar a gravidade do mal de montanha e a tomar as decisões mais adequadas em cada caso.


 (1 a 4 pontos) Mal de Montanha Ligeiro. Costuma melhorar com repouso, hidratação e doses habituais de ibuprofeno (400-600 mg a cada 6-8 horas).

(4 a 6 pontos) Mal de Montanha Moderado. É obrigatório parar a ascensão, até se produzir a recuperação completa, que costuma acontecer entre as 24 e as 48 horas seguintes.

(mais de 6 pontos) Mal de Montanha Grave. Obriga a efectuar a descida para a cota onde ainda não se tinham verificado quaisquer sintomas.

Face ao mal de montanha grave, a descida para uma cota inferior deve ser feita imediatamente e não esperar pela manhã seguinte. Este conselho visa, em especial, as pessoas que já manifestem sintomas de edema pulmonar e que podem transitar rapidamente para um edema cerebral e morrer.

Nunca se deve deixar sozinho um alpinista com sintomas de mal de montanha.

Resumindo, o tratamento consiste em:

. Parar a ascenção. Se for necessário, descer uns 400 a 1000 metros, ou até que passem os sintomas.

. Acetalozamida: 125-250 mg a cada 8-12 horas. Até que passem os sintomas. Não protege contra um agravamento, se continuar a ascensão apresentando ainda os sintomas.

. O oxigénio a 4 litros por minuto pode ser benéfico.

. Os analgésicos, tipo aspirina ou ibuprofeno, podem ser úteis contra a dor de cabeça.





Edema Pulmonar

. Descer pelo menos 600 a 1000 metros, e continuar a descida até que os sintomas desapareçam.

. Oxigénio 4 a 6 litros por minuto.

. Nifedipina, desde 10 mg a cada 4-6 horas, até 30 mg a cada 8-12 horas, se não passar tomar de 90 a 100 mg/dia.

. Calor e repouso.

. Câmara hiperbárica, se for possível.

Caso não seja combatido o edema pulmonar, este pode agravar para um edema cerebral e morrer-se em poucas horas, caso não se perca altitude rapidamente até ao nível em que não se apresentava sintomas. Em caso de dúvida, deve-se descer pelo menos 500-1000 metros, ou até ao nível onde se dormiu as duas noites anteriores. O atraso pode ser fatal, por isso não se deve ter dúvidas em descer rapidamente.

Ainda não se conseguiu demonstrar a utilidade da acetalozamida.




Edema Cerebral

. Descer pelo menos 600 a 1000 metros, e continuar a descida até que os sintomas desapareçam.

. Oxigénio 4 a 6 litros por minuto.

. Dexametasona: 8 mg inicialmente, seguidos de 4 mg a cada 6 horas.

. Calor e repouso.

. Câmara hiperbárica, se for possível.

Pode-se morrer em poucas horas, se não se perder altitude rapidamente até ao nível em que não se evidenciavam sintomas.  Em caso de dúvida, deve-se descer pelo menos 500-1000 metros, ou até ao nível onde se dormiu as duas noites anteriores. O atraso pode ser fatal, por isso não se deve ter dúvidas em descer rapidamente.



Esperamos com este trabalho, ter esclarecido algumas dúvidas relacionadas com este tema, muito abordado, mas também pouco aprofundado. Nunca esquecer que uma boa aclimatação é fundamental para prevenir qualquer um dos problemas relacionados com a altitude. No entanto, mesmo seguindo “a risca” as boas regras da aclimatação, não a poderemos ter por assegurada,  porque nem todos os organismos são iguais e as pessoas reagem de formas diferentes à altitude.

Pelo facto de estarmos ausentes durante a próxima semana, devido à actividade que o CMB vai desenvolver no Monte Branco, na próxima semana não publicaremos nenhum artigo técnico, mas fica a promessa de retomar o ritmo normal após o nosso regresso.

Até lá… boas caminhadas e com muita segurança!