30 outubro 2013

Os benefícios do montanhismo e a sociedade




Ainda hoje, muita gente olha para quem pratica actividades de montanha com algum desdém. Olham para um montanheiro como uma pessoa masoquista que apenas sobe e desce montanhas carregando uma mochila pesada e se alimenta de comida congelada e frutos secos.





Essas pessoas apenas não entendem a sensação de sentir o vento na cara, de beber a água gelada das montanhas quando temos sede, a sensação de estar deitado debaixo de um céu coberto de estrelas e escutar o som do intenso silêncio que tudo envolve.





Logicamente, nem todas as pessoas entendem. O homem civilizado percorreu um longo caminho nos últimos séculos, e o que dantes era prática normal, hoje passou a ser algo extravagante. O desejo de utilizar as próprias pernas para caminhar, por gosto, é difícil de compreender para uma pessoa cuja única experiência de marcha se reduz a ir da porta de sua casa para o carro. Será que o homem moderno no fundo do seu ser, tem a necessidade de regressar aos velhos tempos, em que tudo fluía lentamente, em que o curso natural das coisas se impunha a novas ideias?





Uma escapada de apenas uma noite ao cume de uma montanha próxima pode refrescar-nos a mente e o corpo e livrar-nos de um monte de problemas e pensamentos que chegamos a ter como insuperáveis. Lá  em cima, apenas nos preocupam as coisas simples, como onde colocar a tenda, onde comer e o quê, se uma nuvem escura no horizonte nos vai trazer chuva ou inclusive neve. Ao fim de uns momentos os pensamentos óbvios tornam-se ponderáveis e de seguida, a mente, livre da confusão dos pensamentos cotidianos, relaxada pelo espaço e pela solidão, vê surgir dela os problemas urgentes, mas agora de uma forma lógica e coordenada que apresenta soluções às perguntas que surgem.





Mas atenção, não podemos pensar que o montanhismo é a solução para todos os problemas que nos surgem diariamente. Depois de tudo é apenas uma solução a curto prazo para esses problemas, sendo, no entanto, uma oportunidade para os ver numa perspectiva real, para o que se requer prática e tempo.





O montanheiro principiante passa constantemente dias inteiros sofrendo de dores provocadas por bolhas nos pés, queixando-se do peso da mochila carregada em excesso, etc. Desta forma, os problemas cotidianos podem acabar por ser substituídos pelos problemas inerentes à prática do montanhismo.





Como espécie, nós estamos muito afastados da capacidade que tinham os nossos antepassados de se adaptarem à vida ao ar livre. Centenas de anos de vida cómoda, acabaram por nos privar da herança que era nossa por natureza. Já não possuímos a capacidade natural de andar, de viver em montanhas, portanto devemos aprender tudo de novo. Temos que voltar a utilizar as nossas pernas, os pulmões e o coração.





Com a ajuda das invenções modernas, temos que aprender a orientar-nos, a prever as condições meteorológicas, a procurar os locais mais apropriados para dormir de noite, e além de tudo isso, temos que nos desfazer dos travamentos físicos e mentais que nos foi imposto pela “vida de luxo”.





Não podemos esquecer que a tecnologia actualmente existente, nos ajuda a desfrutar da montanha sem grande sofrimento e com mais conforto, auxiliando-nos no nosso propósito do montanhismo. Desprezar esses equipamentos seria uma total hipocrisia. Poucos negam que as pequenas joias tecnológicas da vida actual adaptadas ao nosso equipamento, tornam a nossa evasão muito mais fácil.





No entanto, o que constitui o êxito de uma incursão pela montanha, não é o que levamos na nossa mochila, mas sim nas coisas que vemos e admiramos, as sensações que experimentamos e os sons que escutamos.





Porém, toda esta tecnologia encerra uma ratoeira, pois é difícil combinar um alto nível de conforto durante a noite, com um alto nível de conforto durante o dia, pois teremos que carregar o pesado equipamento e só a práctica e a experiência serão aqui os nossos mestres para realizar o exacto equilíbrio entre essas duas opções.





A imensidão da natureza está aberta para o montanheiro, e após algumas caminhadas e acampamentos nocturnos, o principiante montanheiro pode começar a ultrapassar as suas barreiras. Existem vastas zonas disponíveis para os montanheiros, embora que estas estejam a ser reduzidas de uma forma que nos deve fazer parar e reflectir. Existem informações que demonstram que muitas das zonas naturais do mundo começam a padecer de um excesso de uso. Enormes montanhas de lixo são constantemente retiradas de locais remotos com o recurso a helicópteros, e é preciso não esquecer que este lixo foi abandonado na montanha por montanheiros, escaladores e excursionistas. Os caminhos são pisados por milhares de botas. Que podemos fazer em relação a isto?





Cada montanheiro deve ser um guarda da natureza, pois o meio natural deve ser tratado com o maior respeito e cuidado possível. O montanheiro tradicional adora fazer fogueiras, as quais constituem um enorme perigo para a montanha. Pode-se utilizar fogões em vez das fogueiras, que embora não sejam um recurso tão romântico, é mais rápido e limpo. Não devemos alargar os trilhos já feitos, com o facto de ir pisando as suas bordas, devemos caminhar pelo centro do trilho. Estas são algumas das simples actitudes que poderão marcarão a diferença no futuro.
Há alguns anos atrás existia um lema de montanha que rezava “Deixa apenas pisadas, leva apenas fotos”. No entanto, como demasiados montanheiros já deixaram demasiadas pisadas, hoje o lema deverá ser mudado para “Não deixes nada, leva apenas fotos, ar puro e recordações”.





Este é o nosso mundo, e por agora , o único que temos. Se não cuidarmos nós próprios dele, os nossos filhos não terão tampouco hipóteses de o fazer.
A natureza é um meio frágil em perpétuo equilíbrio que necessitará dos nossos cuidados e atenção para se manter. Antes da chegada destrutiva do homem, a natureza podia-se regenerar e ressurgir de qualquer catástrofe, mas a incessante pressão a que a submetemos, torna esta tarefa cada vez mais complicada.





Os montanheiros não são eremitas nem seres estranhos, não estão aqui para disfrutar e mesquinhar as maravilhas deste mundo apenas para si próprios. Partilhando o que sabem, conseguirão que cada vez mais gente seja capaz de apreciar os lugares mais agrestes e as vantagens que estes encerram, uma herança que, por sua vez, os nossos filhos e os filhos dos nossos filhos deverão aprender a desfrutar e respeitar.





Boas caminhadas

1 comentário:

  1. Conhecer Braga e quase Portugal inteiro; conhecer os portugueses; hábitos; valores, foram para mim, uma experiência maravilhosa.Essa matéria tão bem elaborada me fizeram recordar.Saudades desse lindo país

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