Conceito de choque
É cada vez mais difícil construir uma definição mais exacta
e simultaneamente sucinta do estado de choque à medida que as complexidades das
alterações bioquímicas e fisiológicas vão sendo definidas com mais adequação
através das investigações modernas.
O choque, segundo Smeltzer e Bare, pode ser descrito como
uma oxigenação celular inadequada, acompanhada de incapacidade de excretar os
produtos do metabolismo.
Outro conceito diz que Choque designa geralmente um estado
de colapso do aparelho cardiovascular ou, melhor dizendo, a consequência de uma
falência circulatória periférica generalizada, com perfusão tecidular
inadequada.
Embora esta definição possa parecer bastante complicada,
tentaremos explicar o fenómeno atras descrito para uma melhor compreensão.
O corpo humano é formado por milhões de células que, para se
manterem vivas, precisam de alimentos e de oxigénio. Estes chegam até às
células transportados pelo sangue. Os nutrientes são conseguidos na nossa
alimentação. Do ar que introduzimos nos pulmões é extraído o oxigénio que o
sangue transportará. Junto das células, o sangue entrega os alimentos
(nutrientes) e o oxigénio e, na continuação da circulação, traz de regresso aos
pulmões um gás, dióxido de carbono e produtos de excreção.
Quando o transporte de oxigénio, de nutrientes e produtos de
excreção falha por diminuição da velocidade de circulação ou por falha do
veículo de transporte, à perfusão inadequada com falência circulatória
periférica generalizada: à Choque.
Portanto, o Choque
surge devido a uma depressão dos sistemas circulatório e respiratório,
associado a muitas condições, como hemorragia, traumatismo, queimaduras,
doenças infecciosas e insuficiência cardíaca, e resulta de uma falha de
qualquer dos três aspectos da circulação: coração, resistência periférica e
volume sanguíneo.
O Choque provoca uma irrigação sanguínea inadequada dos
tecidos do organismo, ou seja, a quantidade de oxigénio e nutrientes que chegam
aos órgãos nobres, em particular ao cérebro e pulmões, é insuficiente em função
das necessidades.
Ainda que existam muitos tipos de choque, de uma forma geral
e básica surgem gradualmente um conjunto de reacções em cadeia conduzindo a uma
diminuição da função cardíaca (logo, insuficiente circulação sanguínea e
distribuição de sangue pelos tecidos), associada a uma deficiente ventilação
(logo, menor concentração de oxigénio no sangue), conduzindo a alterações mais
ou menos graves do funcionamento do sistema nervoso central.
O conjunto destas reacções surge em ciclo vicioso e
instala-se de forma súbita e rápida. Com o agravamento da função dos principais
órgãos, começam por surgir lesões irreversíveis e, em poucos minutos, pode
ocorrer uma paragem cardiopulmonar, consequência da fadiga dos músculos
intervenientes na respiração.
O Choque é uma situação (não é uma doença) que requer, por
isso, uma actuação de emergência imediata, no sentido de evitar a morte da
vítima.
Classificação do
Choque
O Choque pode ser classificado como cardiogénico,
hipovolémico, neurogénico e séptico.
Choque
Cardiogénico (Lesões no coração)
Este choque desenvolve-se devido a uma insuficiência
cardíaca ou uma interferência na função cardíaca (ou seja, redução do débito
cardíaco em consequência da diminuição da função do coração), como no caso de
enfarte do miocárdio, arritmias, embolia pulmonar, hipovolémia avançada
(tardia) ou anestesias epidural e geral. Os sinais traduzem o aumento da
pressão venosa e o aumento da resistência periférica. Os pacientes com Choque
Cardiogénico suportam com dificuldade o decúbito dorsal, agravando-lhes a
dispneia pela compressão pulmonar. A melhor posição de espera é a semi-sentado.
Choque
Hipovolémico (Perda de sangue ou líquidos orgânicos)
O Choque Hipovolémico surge como resultado de uma diminuição
da volémia (volume circulante de líquidos ou intravascular efectivos) provocado
pela perda de sangue, plasma, ou perdas hídricas em consequência de vómitos ou
diarreias prolongadas. A diminuição do volume de sangue leva a uma menor
actividade fisiológica do coração, reduzindo toda a circulação sanguínea. As
concentrações de oxigénio no sangue ficam mais reduzidas (com menor fornecimento às células), bem como uma menor
capacidade do sangue em captar produtos tóxicos das células. Este Choque
caracteriza-se, a princípio, por ansiedade e agitação nos pacientes jovens,
cedendo lugar à apatia e letargia. Há uma queda de pressão venosa, elevação da
resistência periférica e taquicardia.
Choque Neurogénico
(Vasodilatação)
Ocorre em consequência de uma insuficiência da resistência
arterial, causada por exemplo, por uma anestesia espinhal ou traumatismo vertebromedular.
O Choque Neurogénico caracteriza-se por queda na pressão arterial devida ao
armazenamento de sangue naqueles vasos com capacidade para alterar o seu
volume. A actividade cardíaca aumenta, mantendo-se assim, um débito normal, o
que ajuda a encher o sistema vascular dilatado como tentativa de preservar a
pressão de perfusão.
Choque Séptico
Resulta geralmente de septicemia por Gram-negativos (por
exemplo, infecção, peritonite), embora possa ser causado por vírus, fungos e
bactérias Gram-positivas e Gram-negativas. Inicialmente manifesta-se por
hipertermia, pulso rápido e forte, taquipneia e pressão arterial normal ou
levemente diminuída. A pele encontra-se corada, quente e seca. Se a infecção
não for tratada o choque séptico (conhecido nesta fase por choque séptico
hiperdinâmico) pode evoluir para um choque semelhante ao hipovolémico (choque
séptico hipodinâmico). A hipovolémia desenvolve-se juntamente com a depressão
da função cardíaca.
Neste artigo, iremos abordar o primeiro socorro para o
Choque hipovolémico por ser aquele mais frequente em situações de acidente (por
exemplo, como resultado de uma hemorragia).
Causas do Choque
Hipovolémico
. Perda abundante de sangue (hemorragias internas ou
externas).
. Perda abundante de volume intravascular (infiltração nos
tecidos no local de queimaduras, contusões ou esmagamentos).
. Perda abundante de líquidos do intestino (vómitos de
repetição, diarreias, processos febris constantes, utilização excessiva de
diuréticos).
Factores
predisponentes
. Idades extremas (crianças e adultos)
. Estado de saúde prévio
. Uso de medicamentação
. Causas, duração e gravidade das hemorragias.
Sinais e sintomas
Todas as vítimas de acidentes que manifestem hemorragias
graves, lesões de esmagamento, fracturas simples e complicadas, amputações,
queimaduras ou qualquer outra ferida grave, estão sujeitas a desenvolverem um
estado de Choque.
O sintoma, é aquilo que a vítima diz ter, por exemplo: uma
dor de cabeça, uma tontura ou uma falha de visão.
O sinal, é aquilo que vemos na vítima, por exemplo: a cor da
pele, sangue, etc.
Os sinais e sintomas do Choque são variados e nem sempre
presentes.
Percentagem de volume
sanguíneo perdido:
< 20% (leve); 20 a 40% (moderado); >40% (intenso)
Nível de consciência:
Ansioso, porém orientado e alerta (leve); agitado, mentalmente
confuso, vertigens (moderado); letárgico,
inconsciente (intenso)
Ventilação:
Profunda e rápida (leve); superficial e rápida (moderado); ainda mais
superficial e rápida (intenso)
Pulso:
Rápido, preenchimento capilar prolongado (leve);
rápido, fraco e filiforme (moderado); muito rápido, irregular sendo difícil
encontrar ou palpar um pulso periférico (intenso)
Diminuição da
perfusão:
Pele, camada lipídica, músculos esqueléticos, ossos (leve);
fígado, intestino, rins (moderado);
cérebro, coração (intenso)
Pressão arterial:
Normal, 120/80 mm Hg (leve); hipotensão ortostática, 60/90 mm Hg (moderado); hipotensão profunda sistólica <60 b="b" hg="hg" mm="mm" style="mso-bidi-font-weight: normal;">intenso60>
)
Pele:
Fria, pálida, coberta de suores frios, nomeadamente as
extremidades (leve); fria, pálida e húmida (moderado); fria, pegajosa,
lábios e unhas cianosados (a cianose consiste na pigmentação azulada da pele e
das mucosas, resultado de quantidades elevadas de hemoglobina desoxigenada) (intenso)
Débito urinário:
Acima de 50 ml/h (leve); secura de boca, dos lábios e da língua,
Oligúria: 10-25 ml/h (moderado); secura de boca, dos lábios e da língua 10
ml/h ou mesmo anúria (intenso)
Actuação de
emergência
Todos os pacientes que se encontrem em Choque devem receber
a seguinte actuação do socorrista/montanheiro:
. Dar o alarme e pedir ajuda se for possível.
. Combater a causa desencadeante: controlar hemorragias,
cobrir todas as feridas após cuidada limpeza. Imobilizar possíveis fracturas,
etc, incutir palavras de ânimo, conforto e confiança à vitima.
. Aliviar toda a peça de vestuário que oprima o acidentado,
a fim de facilitar a circulação sanguínea, principalmente na zona do pescoço,
peito e cintura.
. Posicionamento: se estiver consciente, posicionar a vítima
com elevação dos membros inferiores, o que contribui para o aumento do retorno
venoso e da volémia efectiva.
No caso de traumatismo das extremidades, e com a pressão arterial
baixa mas moderada, pode optar-se pela posição de Trendelemburg, utilizando um
plano duro, desde que não se verifique agravamento da ventilação pulmonar por
compressão das vísceras abdominais sobre o diafragma.
. Nas demais situações, e no caso da posição de elevação dos
membros inferiores ser desconfortável para o sinistrado, pode-se colocar em
decúbito dorsal (de costas).
. Manter a temperatura corporal. Cobrir o sinistrado com
mantas (se possível colocar manta por baixo da vítima para evitar o contacto
com o solo e possível arrefecimento), saco cama, lençol isotérmico, etc.
. A um paciente em Choque (quer esteja consciente ou
inconsciente) não se deve dar a tomar
nenhum alimento sólido ou líquido. Se o sinistrado refere que tem uma sede
insuportável, o socorrista/montanheiro poderá ajudá-lo humedecendo-lhe os
lábios e a língua com uma compressa ou bocado de pano limpo embebido em água.
. Avaliar e registar os sinais vitais do sinistrado,
transmitindo-os à equipa de resgate que porventura deverá aparecer.
. Posição lateral de segurança (PLS). Esta posição deve ser
adoptada se a vítima apresenta lesões na face, boca e pescoço, que provocaram
hemorragias para a parte superior das vias aéreas, ou em caso de inconsciência,
desde que não se suspeite de trauma.
Dentro destas medidas, a execução da posição lateral de
segurança. Vulgarmente designada abreviadamente por PLS, será a que requer
maior destreza e treino por parte do socorrista/montanheiro, e para a execução
desta, devem-se observar os seguintes princípios de execução, após confirmar
que a vítima se mantém a ventilar e com presença de sinais circulatórios:
1 – Pedir a alguém que procure ajuda e alerte as equipes de
resgate.
2 – Ajoelhar ao lado da vítima com um dos joelhos ao nível
da linha inter-mamilar e o outro ao nível da linha umbilical;
3 – Manter a via aérea permeável através de uma correcta
extensão de cabeça e da lateralização da mesma para o lado onde se encontra o
socorrista/montanheiro;
4 – O membro superior da vítima do lado do
socorrista/montanheiro deve ser articulado pelo nível do ombro e colocado para
junto da cabeça de modo a ficar ao seu lado;
5 – As mãos do socorrista/montanheiro vão pegar nos membros
do lado oposto da vítima, procurando situar uma ao nível do antebraço, evitando
fazer quaisquer rotações deste, e a outra por debaixo do joelho, fazendo com
que esta articulação fique em flexão;
6 - Com os joelhos
bem firmes no solo, o socorrista/montanheiro puxa suavemente naqueles pontos de
modo a que a vítima fique em decúbito lateral, apoiando-a se necessário com as
suas coxas, até que a estabilidade final da posição seja conseguida.
Em caso de a vítima agravar o seu estado e passar para uma
situação de paragem ventilatória ou cardíaca, esta posição permite que se possa
voltar a vítima com facilidade para o decúbito dorsal.
Nunca é demais lembrar, que estes métodos necessitam de
treino e supervisão de um profissional, portanto aconselhamos a frequência de
um curso de socorrismo, de forma a aprender simples gestos que salvam vidas,
mas que se utilizados inadequadamente, podem retirá-la. Sejam conscientes e…
Boas caminhadas
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