03 outubro 2012

Atitude comportamental em montanha (parte 1)




Formação, informação, equipamento e sensatez

Excursionismo, escalada em rocha, ascensões em alta montanha, escalada em cascatas de gelo, esqui de montanha, são todas elas diferentes actividades que fazem da montanha, um paraíso onde se podem encontrar  as sensações mais enriquecedoras  e excitantes. As montanhas são um terreno de jogo grandioso e inesgotável para todos, desde aqueles que apenas pretendem realizar um tranquilo passeio, até aos himalaistas.





É tudo muito atractivo, mas os desportos de montanha, podem acarretar um risco enorme devido à sua biomecânica e às condições atmosféricas e orográficas do terreno onde se desenrolam.  As montanhas estão vivas e seguem o seu imperceptivel ciclo orogénico, crescendo, desmoronando-se, sofrendo contínua erosão. As forças da natureza são infinitamente poderosas e incontroláveis. Qualquer ser humano na montanha, não passa de uma espécie de diminuto grão de areia no deserto, encontrando-se altamente vulnerável. Felizmente para nós, simples humanos, dispomos da bagagem de conhecimentos, observação e estudo, que os nossos antecessores foram acumulando com as suas experiências para podermos prever ou suspeitar  quando ou onde se produzirão as consequências derivadas destes processos naturais e, assim, poderemos estar habilitados a evitar as desventuras.





Na montanha é necessário saber respeitar certas regras, e aproximarmo-nos dela com o devido conhecimento, tanto do meio, como das técnicas necessárias para superar os obstáculos, assim como será necessário estarmos “apetrechados” com uma boa condição física e psicológica adequadas para a actividade elegida. Este conjunto de faculdades servem para nos ajudar a avaliar os perigos de forma a evita-los.  Devemos ir para a montanha, sem medo, mas com o respeito que nos faz ser conscientes da nossa fragilidade perante o meio.





Ainda que a segurança absoluta em montanha não exista, pois está limitada pelos erros humanos e a mudança constante e natural do terreno, a maioria dos acidentes, são sem margem para dúvidas, evitáveis. Quando se investiga um incidente ou um acidente na montanha, geralmente chega-se às mesmas conclusões, ou seja, que seriam evitáveis  se tivessem sido adoptadas as mínimas medidas de precaução. O desconhecimento do meio, do material, da técnica e das elementares regras de segurança, geralmente originam trágicos finais.





É evidente que por vezes a má sorte também contribui  para os “azares” e ocorrem mesmo acidentes inevitáveis, derivados de causas que escapam ao controle humano.  Segundo as estatísticas, os jovens são os mais afectados pelos acidentes em montanha, o que também contribui para que se conclua que a falta de conhecimento e experiência são das principais causas de acidentes em montanha.

A cultura do ócio, da aventura fácil e a cada vez maior paixão pelos dos desportos ao ar livre, fazem com que cada ano sejam mais os que se aproximam das montanhas. Para que esta aproximação das montanhas não tenha consequências negativas, devemos ser educados desde o início sobre os perigos que implica praticar estes desportos de risco sem os conhecimentos necessários, assim como deverá ser exortada a nossa responsabilidade para a conservação da natureza.





A quase banalidade destas actividades e a facilidade de acesso a muitas montanhas, propiciam  que não se leve muito a sério o tema da formação. A facilidade de acesso, principalmente da montanha invernal, origina que pessoas sem o mínimo de equipamento necessário e conhecimentos, se desloquem para este meio adverso e perigoso. Infelizmente, até as montanhas mais fáceis e acessíveis têm o seu lado severo e a prova disso, é que grande parte dos acidentes ocorreram em montanhas pouco altas e de orografia suave.





Assim sendo, atingir a formação adequada através da frequência de cursos técnicos ministrados por profissionais ou contratar um guia, são factores essenciais para aumentar a segurança e prevenir os acidentes. A montanha oferece itinerários de diversos graus de dificuldade técnica e física, pelo que se deve sempre escolher o mais adequado às capacidades e conhecimentos de cada um, de forma que se consiga tirar maior proveito da actividade. É preciso ser humilde  e realista no momento de avaliar as próprias capacidades e ter sempre presente que o nível de um grupo deverá ser aferido pelo do seu elemento menos preparado do grupo. Lammer dizia que a subrestimação da própria capacidade é o pior dos perigos na montanha.





A melhor forma de evitar problemas é preveni-los, mas se apesar de todas as precauções acontecer um acidente, deve-se fazer apenas o que estiver ao nosso alcance de forma a não piorar a situação, pelo que será conveniente fazer previamente um curso práctico de primeiros socorros. Por sua vez, o nervosismo deve ser controlado e evitado, pois tal estado de espirito pode estar na origem de um acidente àqueles que vão em busca de auxilio, ou às pessoas que ficam com o acidentado praticando auxilio, podendo tornar a situação num acidente múltiplo.

Como se disse, antes de iniciar uma actividade de montanha é fundamental possuir a máxima informação sobre a zona, a rota e as condições meteorológicas. Os problemas  derivados do mau tempo, previnem-se em parte, consultando as previsões meteorológicas, muito embora se saiba que na melhor das hipóteses estas apresentarão, aproximadamente, 14% de erro. Convém também conhecer o risco de avalanches para a zona em concreto. É também importante consultar alguma bibliografia específica da zona e pedir conselhos a montanheiros com mais experiência e conhecedores da mesma.





Importante é, também, levar o equipamento adequado para a actividade planeada. O equipamento específico de segurança deverá estar homologado e em óptimas condições de utilização. É que o preço de uma vida é substancialmente superior ao de uma corda nova! É também necessário efectuar periodicamente uma manutenção do equipamento. Um equipamento que inclua uma bolsa de primeiros socorros e um telemóvel para ser usado apenas em caso de emergência (de forma a manter a bateria do mesmo carregada) são elementos também da máxima utilidade.

 É do conhecimento geral que sem uma dieta correcta, sem uma hidratação constante e boa preparação física, não se conseguem bons resultados desportivos durante um período prolongado. Estes conceitos que são provenientes da medicina desportiva, também são aplicáveis ao montanheiro – digamos - não competitivo, pois se estivermos em melhores  condições, desfrutaremos mais da actividade a realizar, para além de dispormos de uma reserva de energia que poderá ser útil em caso de dificuldades. É recomendável treinar a resistência, pelo menos três vezes por semana (correr, nadar, andar de bicicleta…) e fazer alongamentos antes e depois dos treinos e das saídas à montanha, de forma a evitarmos lesões. É recomendável, também, estar vacinados contra o tétano, devido às feridas e lesões de que possamos ser vítimas.

Conhecimento dos perigos na montanha

Os perigos a que está sujeito o montanheiro devem ser estudados em duas vertentes, os  perigos objectivos e os perigos subjectivos.
Os perigos mais evidentes, ainda que não sejam fáceis de reconhecer, são os perigos derivados dos processos naturais, como sejam as  avalanches, trovoadas e raios, desprendimentos, etc.  Estes são conhecidos como perigos objectivos, pois nada podemos fazer para evitar que aconteçam, mas no entanto, devemos aprender a reconhecer os lugares e momentos potencialmente perigosos, de forma a não estarmos no local errado quando uma pedra caia ou a avalanche se desencadeie. O conhecimento do meio, deve ser, assim, a primeira preocupação do montanheiro quando planeia a sua actividade. Para controlar este tipo de perigos na medida do possível, devemos ter consciência da existência destes e de como nos podem afectar, para assim os levarmos em conta, tanto na planificação prévia da nossa actividade, como durante a mesma e analisar situações imprevistas de forma a evitar ou minimizar a possível ameaça.





Mais difíceis de avaliar são os perigos subjectivos que advêm da actuação de cada pessoa. O perigo subjectivo pode provocar acidentes por si só, ou expor-nos a todo o tipo de riscos objectivos.

Em cada fase de uma ascenção, existem riscos subjectivos, como é o caso da eleição da rota a tomar, o equipamento, o material,  conhecimentos técnicos, treino e inclusive a atitude pessoal. Se considerarmos adequadamente todos estes factores, o potencial perigo inicial, dificilmente se concretizará.

Resumindo, o conhecimento profundo da montanha, revela-se  tão importante em termos de segurança, quanto o conhecermos as nossas próprias limitações  e as dos nossos companheiros. É necessário fazer uma autocrítica das nossas possibilidades.
A decisão de dar “meia volta” e renunciar a uma actividade não costuma ser fácil, mas irá permitir que continuemos a desfrutar de muitas outras.





Nunca devemos menosprezar a montanha, ela é sempre infinitamente mais poderosa, mesmo aquelas de aspecto mais inocente e tranquilo poderão dar-nos uma lição de humildade.
A sensatez, é sem dúvida, a maior virtude de um montanheiro que pretenda alcançar muitas aventuras com os mínimos riscos. O desejo de uma “conquista” à custa de uma “epopeia”, costuma ser sinónimo de ferimentos, mutilações, ou mesmo morte.
Por vezes, para justificarmos os nossos próprios erros  e desventuras, atribuímos adjectivos às montanhas como o de “montanha assassina, etc”, como se nos referíssemos a seres racionais. Nenhum cume merece uma mutilação, por pequena que seja, e muito menos que nele deixemos a vida. Qualquer aventura que termine com tal saldo negativo, será considerado como um enorme fracasso, mas já será demasiado tarde para voltar atrás.





Um montanheiro pode possuir uma grande formação, estar muito bem informado, dispor de um excelente equipamento, revelar-se bem nutrido, hidratado e treinado, mas carecer de um “equipamento” essencial, a sensatez. Costuma-se dizer que o senso ou sentido comum é o menos comum dos sentidos, e a sua falta na montanha revela-se normalmente grave. Não devem existir dúvidas, devemos retirar-nos do objectivo que elegemos se as condições não forem favoráveis.





Como dizia Whimper, “escalai se quereis , mas lembrai que a coragem e a força não são nada sem a prudência e que um momento de negligência pode destruir o bem-estar de toda uma vida”.

Portanto, muita sensatez, e…

Boas caminhadas

2 comentários:

  1. Muito bom e com bastante clareza!!! Obrigado António Dias

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  2. Não é bem António Dias, mas ficamos satisfeitos que tenhas gostado do artigo. Aguarda a 2ª parte que já está a ser trabalhada. Obrigado pelo elogio.

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