Formação, informação, equipamento e sensatez
Excursionismo, escalada em rocha,
ascensões em alta montanha, escalada em cascatas de gelo, esqui de montanha, são
todas elas diferentes actividades que fazem da montanha, um paraíso onde se
podem encontrar as sensações mais
enriquecedoras e excitantes. As
montanhas são um terreno de jogo grandioso e inesgotável para todos, desde
aqueles que apenas pretendem realizar um tranquilo passeio, até aos himalaistas.
É tudo muito atractivo, mas os
desportos de montanha, podem acarretar um risco enorme devido à sua biomecânica
e às condições atmosféricas e orográficas do terreno onde se desenrolam. As montanhas estão vivas e seguem o seu
imperceptivel ciclo orogénico, crescendo, desmoronando-se, sofrendo contínua
erosão. As forças da natureza são infinitamente poderosas e incontroláveis.
Qualquer ser humano na montanha, não passa de uma espécie de diminuto grão de
areia no deserto, encontrando-se altamente vulnerável. Felizmente para nós,
simples humanos, dispomos da bagagem de conhecimentos, observação e estudo, que
os nossos antecessores foram acumulando com as suas experiências para podermos
prever ou suspeitar quando ou onde se
produzirão as consequências derivadas destes processos naturais e, assim, poderemos
estar habilitados a evitar as desventuras.
Na montanha é necessário saber
respeitar certas regras, e aproximarmo-nos dela com o devido conhecimento,
tanto do meio, como das técnicas necessárias para superar os obstáculos, assim
como será necessário estarmos “apetrechados” com uma boa condição física e
psicológica adequadas para a actividade elegida. Este conjunto de faculdades
servem para nos ajudar a avaliar os perigos de forma a evita-los. Devemos ir para a montanha, sem medo, mas com
o respeito que nos faz ser conscientes da nossa fragilidade perante o meio.
Ainda que a segurança absoluta em
montanha não exista, pois está limitada pelos erros humanos e a mudança
constante e natural do terreno, a maioria dos acidentes, são sem margem para
dúvidas, evitáveis. Quando se investiga um incidente ou um acidente na
montanha, geralmente chega-se às mesmas conclusões, ou seja, que seriam evitáveis se tivessem sido adoptadas as mínimas medidas
de precaução. O desconhecimento do meio, do material, da técnica e das
elementares regras de segurança, geralmente originam trágicos finais.
É evidente que por vezes a má
sorte também contribui para os “azares” e
ocorrem mesmo acidentes inevitáveis, derivados de causas que escapam ao
controle humano. Segundo as
estatísticas, os jovens são os mais afectados pelos acidentes em montanha, o
que também contribui para que se conclua que a falta de conhecimento e
experiência são das principais causas de acidentes em montanha.
A cultura do ócio, da aventura
fácil e a cada vez maior paixão pelos dos desportos ao ar livre, fazem com que
cada ano sejam mais os que se aproximam das montanhas. Para que esta
aproximação das montanhas não tenha consequências negativas, devemos ser educados
desde o início sobre os perigos que implica praticar estes desportos de risco
sem os conhecimentos necessários, assim como deverá ser exortada a nossa
responsabilidade para a conservação da natureza.
A quase banalidade destas
actividades e a facilidade de acesso a muitas montanhas, propiciam que não se leve muito a sério o tema da
formação. A facilidade de acesso, principalmente da montanha invernal, origina
que pessoas sem o mínimo de equipamento necessário e conhecimentos, se
desloquem para este meio adverso e perigoso. Infelizmente, até as montanhas
mais fáceis e acessíveis têm o seu lado severo e a prova disso, é que grande
parte dos acidentes ocorreram em montanhas pouco altas e de orografia suave.
Assim sendo, atingir a formação
adequada através da frequência de cursos técnicos ministrados por profissionais
ou contratar um guia, são factores essenciais para aumentar a segurança e
prevenir os acidentes. A montanha oferece itinerários de diversos graus de
dificuldade técnica e física, pelo que se deve sempre escolher o mais adequado
às capacidades e conhecimentos de cada um, de forma que se consiga tirar maior
proveito da actividade. É preciso ser humilde
e realista no momento de avaliar as próprias capacidades e ter sempre
presente que o nível de um grupo deverá ser aferido pelo do seu elemento menos
preparado do grupo. Lammer dizia que a subrestimação da própria capacidade é o
pior dos perigos na montanha.
A melhor forma de evitar
problemas é preveni-los, mas se apesar de todas as precauções acontecer um
acidente, deve-se fazer apenas o que estiver ao nosso alcance de forma a não
piorar a situação, pelo que será conveniente fazer previamente um curso
práctico de primeiros socorros. Por sua vez, o nervosismo deve ser controlado e
evitado, pois tal estado de espirito pode estar na origem de um acidente
àqueles que vão em busca de auxilio, ou às pessoas que ficam com o acidentado
praticando auxilio, podendo tornar a situação num acidente múltiplo.
Como se disse, antes de iniciar
uma actividade de montanha é fundamental possuir a máxima informação sobre a
zona, a rota e as condições meteorológicas. Os problemas derivados do mau tempo, previnem-se em parte,
consultando as previsões meteorológicas, muito embora se saiba que na melhor
das hipóteses estas apresentarão, aproximadamente, 14% de erro. Convém também
conhecer o risco de avalanches para a zona em concreto. É também importante
consultar alguma bibliografia específica da zona e pedir conselhos a
montanheiros com mais experiência e conhecedores da mesma.
Importante é, também, levar o
equipamento adequado para a actividade planeada. O equipamento específico de
segurança deverá estar homologado e em óptimas condições de utilização. É que o
preço de uma vida é substancialmente superior ao de uma corda nova! É também necessário
efectuar periodicamente uma manutenção do equipamento. Um equipamento que
inclua uma bolsa de primeiros socorros e um telemóvel para ser usado apenas em
caso de emergência (de forma a manter a bateria do mesmo carregada) são
elementos também da máxima utilidade.
É do conhecimento geral que sem uma dieta
correcta, sem uma hidratação constante e boa preparação física, não se
conseguem bons resultados desportivos durante um período prolongado. Estes conceitos
que são provenientes da medicina desportiva, também são aplicáveis ao
montanheiro – digamos - não competitivo, pois se estivermos em melhores condições, desfrutaremos mais da actividade a
realizar, para além de dispormos de uma reserva de energia que poderá ser útil
em caso de dificuldades. É recomendável treinar a resistência, pelo menos três
vezes por semana (correr, nadar, andar de bicicleta…) e fazer alongamentos
antes e depois dos treinos e das saídas à montanha, de forma a evitarmos
lesões. É recomendável, também, estar vacinados contra o tétano, devido às
feridas e lesões de que possamos ser vítimas.
Conhecimento dos perigos na
montanha
Os perigos a que está sujeito o
montanheiro devem ser estudados em duas vertentes, os perigos objectivos e os perigos subjectivos.
Os perigos mais evidentes, ainda
que não sejam fáceis de reconhecer, são os perigos derivados dos processos
naturais, como sejam as avalanches,
trovoadas e raios, desprendimentos, etc.
Estes são conhecidos como perigos objectivos, pois nada podemos fazer
para evitar que aconteçam, mas no entanto, devemos aprender a reconhecer os
lugares e momentos potencialmente perigosos, de forma a não estarmos no local
errado quando uma pedra caia ou a avalanche se desencadeie. O conhecimento do
meio, deve ser, assim, a primeira preocupação do montanheiro quando planeia a
sua actividade. Para controlar este tipo de perigos na medida do possível,
devemos ter consciência da existência destes e de como nos podem afectar, para assim
os levarmos em conta, tanto na planificação prévia da nossa actividade, como
durante a mesma e analisar situações imprevistas de forma a evitar ou minimizar
a possível ameaça.
Mais difíceis de avaliar são os
perigos subjectivos que advêm da actuação de cada pessoa. O perigo subjectivo
pode provocar acidentes por si só, ou expor-nos a todo o tipo de riscos
objectivos.
Em cada fase de uma ascenção,
existem riscos subjectivos, como é o caso da eleição da rota a tomar, o
equipamento, o material, conhecimentos técnicos,
treino e inclusive a atitude pessoal. Se considerarmos adequadamente
todos estes factores, o potencial perigo inicial, dificilmente se concretizará.
Resumindo, o conhecimento
profundo da montanha, revela-se tão
importante em termos de segurança, quanto o conhecermos as nossas próprias
limitações e as dos nossos companheiros.
É necessário fazer uma autocrítica das nossas possibilidades.
A decisão de dar “meia volta” e
renunciar a uma actividade não costuma ser fácil, mas irá permitir que continuemos
a desfrutar de muitas outras.
Nunca devemos menosprezar a
montanha, ela é sempre infinitamente mais poderosa, mesmo aquelas de aspecto
mais inocente e tranquilo poderão dar-nos uma lição de humildade.
A sensatez, é sem dúvida, a maior
virtude de um montanheiro que pretenda alcançar muitas aventuras com os mínimos
riscos. O desejo de uma “conquista” à custa de uma “epopeia”, costuma ser sinónimo
de ferimentos, mutilações, ou mesmo morte.
Por vezes, para justificarmos os
nossos próprios erros e desventuras,
atribuímos adjectivos às montanhas como o de “montanha assassina, etc”, como se
nos referíssemos a seres racionais. Nenhum cume merece uma mutilação, por
pequena que seja, e muito menos que nele deixemos a vida. Qualquer aventura que
termine com tal saldo negativo, será considerado como um enorme fracasso, mas
já será demasiado tarde para voltar atrás.
Um montanheiro pode possuir uma
grande formação, estar muito bem informado, dispor de um excelente equipamento,
revelar-se bem nutrido, hidratado e treinado, mas carecer de um “equipamento”
essencial, a sensatez. Costuma-se dizer que o senso ou sentido comum é o menos
comum dos sentidos, e a sua falta na montanha revela-se normalmente grave. Não
devem existir dúvidas, devemos retirar-nos do objectivo que elegemos se as
condições não forem favoráveis.
Como dizia Whimper, “escalai se
quereis , mas lembrai que a coragem e a força não são nada sem a prudência e
que um momento de negligência pode destruir o bem-estar de toda uma vida”.
Portanto, muita sensatez, e…
Boas caminhadas
Muito bom e com bastante clareza!!! Obrigado António Dias
ResponderEliminarNão é bem António Dias, mas ficamos satisfeitos que tenhas gostado do artigo. Aguarda a 2ª parte que já está a ser trabalhada. Obrigado pelo elogio.
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