Aclimatação à altitude
Uma ascensão rápida até ao cume do Everest (>8.840 metros
de altitude) poderia originar uma perda de conhecimento e a morte. Apesar
disso, os alpinistas que o subiram utilizando algumas semanas, sem usar
oxigénio suplementar, apenas manifestaram problemas médicos menores. O processo
pelo qual o ser humano se adapta progressivamente à hipoxia, para melhorar o
rendimento e aumentar as suas possibilidades de sobrevivência é conhecido como aclimatação à altitude.
Uma aclimatação com
sucesso também melhora o sono e protege contra as condições provocadas pela
altitude. O britânico Doug Scott – que conquistou com êxito o Evereste, o
Mckinley e vários dos cumes mais altos do mundo – comentou o seguinte acerca da
importância que tem a aclimatação: “Não, eu não me aclimato depressa, mas uma
vez que já o fiz, parece que me desenrasco bem. Tenho que ter umas boas três
semanas antes de me apetecer escalar… Não conheço ninguém que não beneficie de
três semanas de aclimatação”. A sua estimativa de tempo necessário para
aclimatar foi referendado por vários cientistas.
No ser humano ocorrem numerosas adaptações fisiológicas
durante uma exposição num ambiente hipobárico-hipóxico como o do Monte Everest.
Muitas delas foram esclarecidas em estudos que levaram visitantes procedentes
de terras baixas para locais situados em altitudes altas ou extremas.
. Durante várias semanas em altitude a graduação de O2 entre
os alvéolos e o sangue aumenta durante o exercício, aumentando portanto o
conteúdo arterial de O2 e reduzindo a hipoxia.
. Os receptores químicos das artérias carótidas do pescoço
ficam mais sensíveis à hipoxia e estimulam uma maior ventilação, aumentando
portanto os níveis de O2 no sangue. Esta resposta é vital, pois sem ela, o
cérebro não conseguia sentir o perigo de uma baixa de O2 no sangue arterial. No
entanto ao final de várias semanas e meses, esta adaptação perde garra. O lugar
onde se produz esse efeito podem ser os corpos carotídeos do pescoço, porque
ficam com uma dilatação estrutural e umas mudanças bioquímicas significativas.
. Uma maior produção de glóbulos vermelhos, já começa a
ocorrer no primeiro dia de exposição à altitude, devido à produção da hormona
eritropoietina pelos rins, No entanto, essa melhoria na produção é acompanhada
por uma redução em volume, do plasma. O resultado real, é que o volume total de
sangue não aumenta durante os dois primeiros meses de estadia em altitude.
Depois disso, o volume de glóbulos vermelhos continua a aumentar durante pelo
menos um ano e provavelmente mais tempo. É possível que esta policitemia
natural (que normalmente é estimulada por traumatismos, parasitas ou má
nutrição) pode ser uma resposta inadequada à altitude, pois pode reduzir o
rendimento quando se fizer exercício ou se trabalhar. A aclimatação a longo
prazo, no entanto, aumenta o volume de plasma e aumenta a massa de glóbulos
vermelhos, dando lugar portanto, a um aumento do volume total de sangue.
. A medula óssea consome mais ferro para formar mais
hemoglobina, começando este processo, 48 horas após a exposição a altitude.
. A mioglobina (o equivalente muscular à hemoglobina e local
onde se armazena o O2) dos músculos estriados, ou seja, a musculatura
esquelética aumenta.
. A área transversal da fibra muscular diminui com uma
exposição crónica à hipoxia, a densidade capilar permanece inalterada ou
diminui e a densidade mitocondrial não muda. Isto significa que uma rede de
capilares constante, fornece a uma maior massa muscular, o que origina como
resultado um maior aporte de O2.
. O cociente entre o metabolismo aeróbico e o anaeróbico
aumenta de forma que a produção de energia (quer dizer, formação de ATP) é mais
eficaz e a produção de ácido láctico é menor. Esta adaptação metabólica ocorre,
em parte, porque aumenta o conteúdo intramuscular de enzimas mitocondriais e
respiratórias.
Todas estas respostas servem para melhorar o aporte de O2 aos
músculos ou aumentar a quantidade de energia gerada pelo metabolismo aeróbico.
Isto é significativo, pois a quantidade de ATP que pode derivar de uma
determinada quantidade de alimento é muito maior para a via aeróbica do que
para a glicose anaeróbica. Estas adaptações atuam harmoniosamente para
compensar os efeitos nocivos da hipoxia
e melhorar o rendimento físico em altitude, tornando-o mais parecido ao que se
daria ao nível do mar.
Como a hipóxia limita o rendimento físico e induz doenças em
altitudes extremas, é razoável perguntar se existe alguma altitude acima da
qual o ser humano não se possa aclimatar mais. A resposta a esta pergunta, é
que sim. Geralmente a aclimatação detém-se e o bem-estar físico deteriora-se
acima dos 5.200 metros. Este processo consiste na perda de peso corporal e um
pioramento da visão, da memória, do sono
e da capacidade para fazer cálculos. Na América do Norte existe uma série de
cumes acima dessa altitude, incluindo o McKinley no Alasca e o Monte Logan no
Canadá. Os alpinistas que se preparam para ascender os cumes mais altos não
ganharão aclimatação, aliás, provavelmente perderão a aclimatação à medida que
passem mais tempo acima dos 5.200 metros. Os alpinistas sabem que
aclimatarem-se a altitudes intermédias melhora a tolerância ao exercício a
altitudes muito maiores e reduz o tempo necessário para se adaptarem de forma
satisfatória. Isto explica o porquê da maioria das expedições em altitudes
extremas ascenderem por etapas, permanecendo em elevações intermédias durante
vários dias ou semanas.
Desde meados da década de 1970, vários alpinistas especializados
têm utilizado uma nova técnica. Diversos dos melhores alpinistas do mundo
realizaram ascensões incrivelmente rápidas em altitudes muitos elevadas e sem
oxigénio, sem sofrerem consequências graves. É conhecido por “estilo alpino”.
Esses alpinistas costumam passar semanas trabalhando ou escalando a altitudes
que variam entre 4.300 e 5.200 metros. Portanto estavam suficientemente
aclimatados para ficarem protegidos durante as 24 a 60 horas de ascensão desde
o campo base e regresso ao mesmo. Das suas experiências é razoável tirar as
seguintes conclusões: a) o estilo alpino requere uma aclimatação suficiente a
uma altitude inferior, antes do ataque ao cume e b) subir um cume grande com o
estilo alpino é possível sem aclimatação se a cordada conseguir subir e baixar
antes de se ocasionarem condições graves.
Na próxima semana não publicaremos o habitual artigo, devido
ao facto de nos deslocarmos para o Monte Rosa, mas no regresso voltaremos à
normalidade.
Até lá…
Boas caminhadas
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