09 julho 2014

Fendas em glaciares




Em virtude de um grupo de associados, brevemente se deslocar para uma actividade de alta montanha, o qual implicará a travessia de glaciares, achamos oportuno publicar este artigo e na próxima semana voltaremos ao tema que temos vindo a publicar.




Em alta montanha a neve caída acumula-se ano após ano e apenas parte dela se funde. O excesso de neve comprimida nas zonas de acumulação transforma-se em gelo. Este devido ao seu próprio peso começa um caminho para os vales, convertendo-se no agente erosivo mais potente da natureza.





A massa de gelo dos glaciares comporta-se como uma matéria plástica e flui para baixo por efeito da gravidade, como um rio gelado, mas o gelo tem um limite de elasticidade e quando este limite é ultrapassado, quebra-se, seja devido ao excesso de velocidade na massa ou devido a obstáculos no terreno que obrigam o gelo a deforma-se.





Por norma, no centro dos glaciares existem menos fendas do que nos extremos e nas curvas. O lado externo apresentará mais fracturação do que o lado interno. Igualmente, as partes côncavas do glaciar serão mais seguras do que as protuberâncias. As extremidades destas fendas costumam formar cornijas, pelo que facilmente se cobrem e se escondem debaixo das camadas de neve mais recente, convertendo-se assim em armadilhas difíceis de evitar.






Precauções gerais

Para evitar o mais possível as fendas é muito importante estudar a melhor rota a percorrer pelo glaciar desde um posto de observação elevado, desde onde se poderá planificar a passagem pelas zonas menos perigosas. Pode-se inclusive tomar notas ou fazer um croquis para lembrar os pontos estratégicos.





Os glaciares estão em constante mudança, pelo que se deve sempre desconfiar e não baixar a segurança ainda que o caminho seja conhecido de vezes anteriores.






Resgate em fendas de glaciar

Se forem respeitadas as precauções necessárias para se deslocar por um glaciar fendado e nevado, será difícil originar-se uma queda grave numa fenda, mas não é impossível de acontecer. Sair saudável destas situações depende da nossa rápida e metódica actuação, que apenas é possível com suficiente prática nestas matérias.





Se alguém cair numa fenda, será necessário avaliar com calma a situação desde baixo, antes de se proceder à ascenção pela corda ou que os companheiros icem a vítima. É preciso olhar bem ao redor, quem sabe um pouco mais longe a fenda se estreita e pode-se subir em “chaminé” (técnica da escalada), ou uma das paredes caiu e facilita a saída escalando a mesma, inclusive pode existir uma saída para o exterior. Se a vítima da queda não se encontrar lesionada, será preferível tentar sair pelos seus próprios meios desta situação.






Reacção e actuação perante uma queda

A actuação posterior a uma queda numa fenda depende das consequências que esta origine e da nossa situação. Não existem duas situações iguais, mas pode-se analisar as possibilidades gerais que se podem apresentar.






Reacção inicial perante uma queda

. Quando alguém cai numa fenda devidamente encordado, a corda crava-se na borda da mesma absorvendo grande parte do impacto.

. A pessoa que retém a queda perderá o equilíbrio quando receber o esticão, mas não existe motivo para se assustar, pois no solo pode-se aguentar detendo-se com os pés, mãos e inclusive ajudado pelo piolet numa auto-detenção.





. Os demais companheiros, se existirem, devem reagir também de imediato ajudando na detenção, tensionando as suas cordas. A rapidez nesta reacção é importante para que a pessoa que caiu desça o menos possível.





. É necessário levar em conta que a detenção é mais comprometida se o glaciar estiver numa pendente e a pessoa que cair for a que caminha mais abaixo.

. Uma vez detida a queda, se levávamos a corda tensionada e a reacção foi rápida, o mais normal é que a pessoa caída consiga ascender sozinha, seja escalando ou com a ajuda de autobloqueantes e da corda. Neste caso, se existir comunicação com a vítima, simplesmente será necessário reter a corda e esperar que a vítima suba por esta até à superfície. Se for muito incómodo segurar a corda, pode-se montar uma ancoragem para descarregar o peso enquanto a vítima sobe.





. Se não tivermos comunicação com a vítima, deve-se montar uma ancoragem para fixar a corda e assim libertar-nos da sua tensão. Se existirem companheiros à superfície, serão eles que devem montar a ancoragem.

. Se estivermos sozinhos, a coisa complica-se, para além da tensão da corda é necessário colocar-nos numa posição em que consigamos prescindir de uma mão para fazer a ancoragem. Com um joelho no solo e a outra perna esticada, sentados ou meio tombados fazendo oposição com os pés na neve.





. Com a mão livre e o piolet realiza-se uma sólida ancoragem, normalmente um piolet horizontal, ou então cavando um pouco a superfície talvez se encontre neve dura onde se consiga cravar um parafuso de gelo.

. Uma vez atado o autobloqueante à ancoragem, deve-se confirmar que este suportará bem a carga, colocando o peso pouco a pouco. Se a ancoragem falhar deve-se fazer uma ainda mais sólida. Nesta operação não se deve desperdiçar tempo nem esforço, pois dele depende toda a actuação posterior.

. Como medida de segurança, uma vez libertos da carga procede-se ao reforço da ancoragem com outro suplemento se for possível.





. Quando se estiver pronto e livre para actuar, deve-se confirmar o estado da pessoa caída aproximando-nos da beira da fenda, devidamente assegurados com outro bloqueante na corda tensionada ou com a corda de reserva. Deve-se confirmar se a pessoa caída está consciente, se tem lesões, se pode ascender sozinha ou se necessita de ajuda para subir.

. No caso de a vítima estar entalada numa zona estreita e não se pode ajudar a si própria, deve-se actuar rapidamente e baixar até ela para a soltar, pois corre risco de asfixia ao entalar-se cada vez mais no gelo.

Uma vez efectuada a ancoragem para que suporte o peso da pessoa caída, e em comunicação com ela, se não estiver ferida pode ser que consiga ascender sozinha através dos seus autobloqueantes, se não conseguir, devemos avisa-la que vamos mandar a corda de reserva para se prender. Mesmo que suba sozinha, será conveniente utilizar a corda de reserva.

Uma complicação adicional será se o glaciar tiver uma forte pendente, pelo que nestes casos será conveniente mudar a operação de resgate para a parte inferior da fenda, se não se estiver já nesta situação.






Ascenção da pessoa caída com a sua colaboração

Para remontar o acidentado com a sua  colaboração, pode-se recorrer ao método das cordas alternativas ou através de uma desmultiplicação de forças em “N” com a face directamente sobre o seu arnês, para que também ele consiga colaborar.






A sequência, uma vez realizada a ancoragem pode ser a seguinte:

a) Fixa-se um cordino à ancoragem com o autobloqueante que tivermos na mão, segurando a corda da vítima, através de um “nó de fuga” ou outro nó seguro (1), e desta forma carregamos o peso da vítima sobre a ancoragem.





Confirmada a resistência da ancoragem, soltamo-nos da corda e fixa-se esta à ancoragem (2) (isto pode-se fazer directamente no primeiro passo se a nossa posição o permitir.

b) Asseguramo-nos através de um cordino e um autobloqueante à corda tensa (3) para nos podermos aproximar da borda da fenda e manobrar.

c) Desde a borda da fenda, lançamos a corda de reserva à vítima com um mosquetão, ou melhor, com dois mosquetões ou ainda melhor, com uma roldana, para a vítima o prender ao seu arnês (4).

Com o extremo do mesmo cordino a que estamos atados à corda de tensão, ou com outro cordino, faz-se outro autobloqueante sobre a corda que vamos atirar (5) para a podermos manter após cada esticão, deslocando o autobloqueante com a mão.

No lábio da fenda deve-se colocar qualquer objecto (6) que impeça que a corda auxiliar se prenda (uma mochila, um piolet, esquis, etc). O objecto que utilizarmos deve ser atado para evitar que se perca ou que caia em cima da vítima (7).





Quando conseguir, o acidentado liberta-se da sua mochila, se esta o desequilibra, deixando-a pendurada na sua própria corda ou na corda de reserva que se lhe tenha lançado.
Começa-se a puxar a vítima, próximo da borda da fenda e a vítima por sua vez, ajuda, puxando a corda pela qual ficou suspensa.






Ascenção da pessoa caída sem a sua colaboração

Se a vítima ficou inconsciente ou com lesões graves, será necessário descer até ela, verificar o seu estado, tentar coloca-la o mais confortável possível, retirar-lhe a mochila, agasalhá-la e se necessário prestar os primeiros socorros básicos. Isto nem sempre é possível, no entanto deve-se avaliar a situação com serenidade, talvez perto exista um bloco, uma ponte de neve, ou mesmo o fundo da fenda, onde será possível colocar a vítima em melhor posição, até se encontrar ajuda ou começar a remontá-lo após ser assistida.





Uma vez confirmada a necessidade de içar a vítima, deve-se montar uma desmultiplicação de forças, que será facilitado se existirem mais mãos a ajudar, para tornar a manobra mais rápida. A partir de 4 pessoas, pode-se içar directamente a vítima sem necessidade de montar nenhum sistema.

Deve-se evitar ao máximo o roçamento da corda no lábio da fenda, para que uma desmultiplicação de forças funcione, pelo que se deve colocar um objecto entre a corda e a neve. Para evitar atrito na corda auxiliar que se utilize para içar o ferido, pode-se fazer um desvio com uma ancoragem desde o outro lado da fenda, se for possível aceder ao outro lado.





A desmultiplicação de forças mais simples e recomendável é em “N”. Se não for suficiente, pode-se juntar outra desmultiplicação com uma corda auxiliar atada à ancoragem principal, ou sobre a própria corda. Facilitamos a manobra se levarmos uma roldana e um bloqueador, elementos que são sempre importantes quando se realiza a travessia de um glaciar.





Passar o lábio da fenda é sempre o mais complicado, principalmente se estivermos sozinhos.





Para facilitar a saída, e se esta for complicada, antes de atirar a corda de auxílio, deve-se escavar o ângulo da fenda no local por onde vai passar a corda, deixando uma pequena rampa e ter cuidado para não deixar cair blocos de neve ou gelo sobre o acidentado que está suspenso. Se tivermos que puxar directamente pela corda que deteve a queda e que se encontra afundada, procede-se da mesma forma, mas com cuidado para não danificar a corda.





As quedas em fendas largas e com as bordas formando tectos, são um importante problema, não apenas pela dificuldade de tirar a pessoa caída, mas também porque os companheiros que vão ajudar se irão mover sobre uma base instável e perigosa.





Os resgates em fendas, assim como qualquer outra eventualidade deste género, podem apresentar uma infinidade de situações complicadas. As manobras de salvamento explicadas não são soluções milagrosas, requerem muita destreza, prática e nem sempre funcionam, principalmente quando o resgatador está sozinho, caso em que pode ser praticamente impossível içar o acidentado se não se conseguir evitar os fortes roçamentos que se produzem através de roldanas ou outros equipamentos.





É melhor prevenir do que ser forçado a utilizar complicadas manobras que podem tornar-se num verdadeiro pesadelo. As precauções iniciais e uma actuação correcta, são vitais para empreender uma marcha por um glaciar fendado e nevado, ainda que à primeira vista, o seu aspecto seja confiável.





Boas caminhadas

Nota: (De forma a complementar este artigo, podem visitar as nossas publicações no blog de 20 de Julho 2012 – Como actuar perante uma queda numa fenda; dia 19 de Julho de 2012 – Precauções na travessia de glaciares e dia 18 de Julho de 2012 – O encordamento em glaciar)

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