Em virtude de um grupo de
associados, brevemente se deslocar para uma actividade de alta montanha, o qual
implicará a travessia de glaciares, achamos oportuno publicar este artigo e na
próxima semana voltaremos ao tema que temos vindo a publicar.
Em alta montanha a neve caída
acumula-se ano após ano e apenas parte dela se funde. O excesso de neve
comprimida nas zonas de acumulação transforma-se em gelo. Este devido ao seu
próprio peso começa um caminho para os vales, convertendo-se no agente erosivo
mais potente da natureza.
A massa de gelo dos glaciares
comporta-se como uma matéria plástica e flui para baixo por efeito da
gravidade, como um rio gelado, mas o gelo tem um limite de elasticidade e
quando este limite é ultrapassado, quebra-se, seja devido ao excesso de
velocidade na massa ou devido a obstáculos no terreno que obrigam o gelo a
deforma-se.
Por norma, no centro dos
glaciares existem menos fendas do que nos extremos e nas curvas. O lado externo
apresentará mais fracturação do que o lado interno. Igualmente, as partes
côncavas do glaciar serão mais seguras do que as protuberâncias. As
extremidades destas fendas costumam formar cornijas, pelo que facilmente se
cobrem e se escondem debaixo das camadas de neve mais recente, convertendo-se
assim em armadilhas difíceis de evitar.
Precauções gerais
Para evitar o mais possível as fendas
é muito importante estudar a melhor rota a percorrer pelo glaciar desde um
posto de observação elevado, desde onde se poderá planificar a passagem pelas
zonas menos perigosas. Pode-se inclusive tomar notas ou fazer um croquis para
lembrar os pontos estratégicos.
Os glaciares estão em constante
mudança, pelo que se deve sempre desconfiar e não baixar a segurança ainda que
o caminho seja conhecido de vezes anteriores.
Resgate em fendas de
glaciar
Se forem respeitadas as
precauções necessárias para se deslocar por um glaciar fendado e nevado, será
difícil originar-se uma queda grave numa fenda, mas não é impossível de
acontecer. Sair saudável destas situações depende da nossa rápida e metódica
actuação, que apenas é possível com suficiente prática nestas matérias.
Se alguém cair numa fenda, será
necessário avaliar com calma a situação desde baixo, antes de se proceder à
ascenção pela corda ou que os companheiros icem a vítima. É preciso olhar bem
ao redor, quem sabe um pouco mais longe a fenda se estreita e pode-se subir em
“chaminé” (técnica da escalada), ou uma das paredes caiu e facilita a saída
escalando a mesma, inclusive pode existir uma saída para o exterior. Se a
vítima da queda não se encontrar lesionada, será preferível tentar sair pelos
seus próprios meios desta situação.
Reacção e actuação
perante uma queda
A actuação posterior a uma queda
numa fenda depende das consequências que esta origine e da nossa situação. Não
existem duas situações iguais, mas pode-se analisar as possibilidades gerais
que se podem apresentar.
Reacção inicial
perante uma queda
. Quando alguém cai numa fenda
devidamente encordado, a corda crava-se na borda da mesma absorvendo grande
parte do impacto.
. A pessoa que retém a queda
perderá o equilíbrio quando receber o esticão, mas não existe motivo para se
assustar, pois no solo pode-se aguentar detendo-se com os pés, mãos e inclusive
ajudado pelo piolet numa auto-detenção.
. Os demais companheiros, se
existirem, devem reagir também de imediato ajudando na detenção, tensionando as
suas cordas. A rapidez nesta reacção é importante para que a pessoa que caiu
desça o menos possível.
. É necessário levar em conta que
a detenção é mais comprometida se o glaciar estiver numa pendente e a pessoa
que cair for a que caminha mais abaixo.
. Uma vez detida a queda, se
levávamos a corda tensionada e a reacção foi rápida, o mais normal é que a
pessoa caída consiga ascender sozinha, seja escalando ou com a ajuda de
autobloqueantes e da corda. Neste caso, se existir comunicação com a vítima,
simplesmente será necessário reter a corda e esperar que a vítima suba por esta
até à superfície. Se for muito incómodo segurar a corda, pode-se montar uma
ancoragem para descarregar o peso enquanto a vítima sobe.
. Se não tivermos comunicação com
a vítima, deve-se montar uma ancoragem para fixar a corda e assim libertar-nos
da sua tensão. Se existirem companheiros à superfície, serão eles que devem
montar a ancoragem.
. Se estivermos sozinhos, a coisa
complica-se, para além da tensão da corda é necessário colocar-nos numa posição
em que consigamos prescindir de uma mão para fazer a ancoragem. Com um joelho
no solo e a outra perna esticada, sentados ou meio tombados fazendo oposição
com os pés na neve.
. Com a mão livre e o piolet
realiza-se uma sólida ancoragem, normalmente um piolet horizontal, ou então cavando
um pouco a superfície talvez se encontre neve dura onde se consiga cravar um
parafuso de gelo.
. Uma vez atado o autobloqueante
à ancoragem, deve-se confirmar que este suportará bem a carga, colocando o peso
pouco a pouco. Se a ancoragem falhar deve-se fazer uma ainda mais sólida. Nesta
operação não se deve desperdiçar tempo nem esforço, pois dele depende toda a
actuação posterior.
. Como medida de segurança, uma
vez libertos da carga procede-se ao reforço da ancoragem com outro suplemento
se for possível.
. Quando se estiver pronto e
livre para actuar, deve-se confirmar o estado da pessoa caída aproximando-nos
da beira da fenda, devidamente assegurados com outro bloqueante na corda
tensionada ou com a corda de reserva. Deve-se confirmar se a pessoa caída está
consciente, se tem lesões, se pode ascender sozinha ou se necessita de ajuda
para subir.
. No caso de a vítima estar
entalada numa zona estreita e não se pode ajudar a si própria, deve-se actuar
rapidamente e baixar até ela para a soltar, pois corre risco de asfixia ao
entalar-se cada vez mais no gelo.
Uma vez efectuada a ancoragem
para que suporte o peso da pessoa caída, e em comunicação com ela, se não
estiver ferida pode ser que consiga ascender sozinha através dos seus
autobloqueantes, se não conseguir, devemos avisa-la que vamos mandar a corda de
reserva para se prender. Mesmo que suba sozinha, será conveniente utilizar a
corda de reserva.
Uma complicação adicional será se
o glaciar tiver uma forte pendente, pelo que nestes casos será conveniente
mudar a operação de resgate para a parte inferior da fenda, se não se estiver
já nesta situação.
Ascenção da pessoa
caída com a sua colaboração
Para remontar o acidentado com a
sua colaboração, pode-se recorrer ao
método das cordas alternativas ou através de uma desmultiplicação de forças em
“N” com a face directamente sobre o seu arnês, para que também ele consiga
colaborar.
A sequência, uma vez realizada a
ancoragem pode ser a seguinte:
a) Fixa-se um cordino à ancoragem
com o autobloqueante que tivermos na mão, segurando a corda da vítima, através
de um “nó de fuga” ou outro nó seguro (1), e desta forma carregamos o peso da
vítima sobre a ancoragem.
Confirmada a resistência da
ancoragem, soltamo-nos da corda e fixa-se esta à ancoragem (2) (isto pode-se
fazer directamente no primeiro passo se a nossa posição o permitir.
b) Asseguramo-nos através de um
cordino e um autobloqueante à corda tensa (3) para nos podermos aproximar da
borda da fenda e manobrar.
c) Desde a borda da fenda,
lançamos a corda de reserva à vítima com um mosquetão, ou melhor, com dois
mosquetões ou ainda melhor, com uma roldana, para a vítima o prender ao seu
arnês (4).
Com o extremo do mesmo cordino a
que estamos atados à corda de tensão, ou com outro cordino, faz-se outro
autobloqueante sobre a corda que vamos atirar (5) para a podermos manter após
cada esticão, deslocando o autobloqueante com a mão.
No lábio da fenda deve-se colocar
qualquer objecto (6) que impeça que a corda auxiliar se prenda (uma mochila, um
piolet, esquis, etc). O objecto que utilizarmos deve ser atado para evitar que
se perca ou que caia em cima da vítima (7).
Quando conseguir, o acidentado
liberta-se da sua mochila, se esta o desequilibra, deixando-a pendurada na sua
própria corda ou na corda de reserva que se lhe tenha lançado.
Começa-se a puxar a vítima,
próximo da borda da fenda e a vítima por sua vez, ajuda, puxando a corda pela
qual ficou suspensa.
Ascenção da pessoa
caída sem a sua colaboração
Se a vítima ficou inconsciente ou
com lesões graves, será necessário descer até ela, verificar o seu estado,
tentar coloca-la o mais confortável possível, retirar-lhe a mochila,
agasalhá-la e se necessário prestar os primeiros socorros básicos. Isto nem
sempre é possível, no entanto deve-se avaliar a situação com serenidade, talvez
perto exista um bloco, uma ponte de neve, ou mesmo o fundo da fenda, onde será
possível colocar a vítima em melhor posição, até se encontrar ajuda ou começar
a remontá-lo após ser assistida.
Uma vez confirmada a necessidade
de içar a vítima, deve-se montar uma desmultiplicação de forças, que será
facilitado se existirem mais mãos a ajudar, para tornar a manobra mais rápida.
A partir de 4 pessoas, pode-se içar directamente a vítima sem necessidade de
montar nenhum sistema.
Deve-se evitar ao máximo o
roçamento da corda no lábio da fenda, para que uma desmultiplicação de forças
funcione, pelo que se deve colocar um objecto entre a corda e a neve. Para
evitar atrito na corda auxiliar que se utilize para içar o ferido, pode-se fazer
um desvio com uma ancoragem desde o outro lado da fenda, se for possível aceder
ao outro lado.
A desmultiplicação de forças mais
simples e recomendável é em “N”. Se não for suficiente, pode-se juntar outra
desmultiplicação com uma corda auxiliar atada à ancoragem principal, ou sobre a
própria corda. Facilitamos a manobra se levarmos uma roldana e um bloqueador,
elementos que são sempre importantes quando se realiza a travessia de um
glaciar.
Passar o lábio da fenda é sempre
o mais complicado, principalmente se estivermos sozinhos.
Para facilitar a saída, e se esta
for complicada, antes de atirar a corda de auxílio, deve-se escavar o ângulo da
fenda no local por onde vai passar a corda, deixando uma pequena rampa e ter
cuidado para não deixar cair blocos de neve ou gelo sobre o acidentado que está
suspenso. Se tivermos que puxar directamente pela corda que deteve a queda e
que se encontra afundada, procede-se da mesma forma, mas com cuidado para não
danificar a corda.
As quedas em fendas largas e com
as bordas formando tectos, são um importante problema, não apenas pela
dificuldade de tirar a pessoa caída, mas também porque os companheiros que vão
ajudar se irão mover sobre uma base instável e perigosa.
Os resgates em fendas, assim como
qualquer outra eventualidade deste género, podem apresentar uma infinidade de situações
complicadas. As manobras de salvamento explicadas não são soluções milagrosas,
requerem muita destreza, prática e nem sempre funcionam, principalmente quando
o resgatador está sozinho, caso em que pode ser praticamente impossível içar o
acidentado se não se conseguir evitar os fortes roçamentos que se produzem
através de roldanas ou outros equipamentos.
É melhor prevenir do que ser
forçado a utilizar complicadas manobras que podem tornar-se num verdadeiro
pesadelo. As precauções iniciais e uma actuação correcta, são vitais para
empreender uma marcha por um glaciar fendado e nevado, ainda que à primeira vista,
o seu aspecto seja confiável.
Boas caminhadas
Nota: (De forma a complementar este artigo, podem visitar as nossas
publicações no blog de 20 de Julho 2012
– Como actuar perante uma queda numa fenda; dia 19 de Julho de 2012 – Precauções na travessia de glaciares e dia 18 de Julho de 2012 – O encordamento em
glaciar)
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