05 março 2014

Responsabilidade civil e seguros médicos (2ª parte)




Organizadores das expedições

Quando se organiza uma expedição, as previsões relativas aos cuidados médicos devem ser coerentes com o grau de risco a que os intervenientes vão ficar potencialmente sujeitos.





 Será da responsabilidade dos organizadores assegurarem-se que a ajuda médica imediata e os planos de evacuação sejam adequados, ou, pelo menos, que a qualidade dessa ajuda possa estar à altura de dar resposta às circunstâncias que possam surgir.





Essas previsões devem incluir um seguro adequado, e dependendo do nível de risco previsto, pode requerer-se a presença de um médico, ou de uma pessoa com formação básica ou avançada em primeiros socorros.
Será importante que os membros da expedição devem ser informados dos perigos a que provavelmente se vão expor, bem como dos cuidados de saúde de que vão dispor.





Uma vez informados, o facto de continuarem a participar na expedição será interpretado como um consentimento em relação aos riscos e ao grau de assistência médica disponível e a aceitação de que a qualidade dos meios de assistência médica potencialmente aplicáveis numa zona remota, será muito provavelmente inferior ao que se aplicaria na sua área de residência.





É prudente confirmar de modo realista se os expedicionários possuem um nível de treino físico e de experiência adequados para a expedição. É aconselhável que os elementos que não reúnam os critérios estabelecidos sejam excluídos dela.







Chefes de expedição

A responsabilidade do chefe de expedição nesta área dependerá das circunstâncias em que a mesma decorra. Se fizer parte da expedição algum profissional de saúde, então a sua responsabilidade ficará provavelmente, limitada à ajuda no manejo da urgência médica. Nas expedições com propósito comercial, os organizadores (em função de protocolos estabelecidos previamente) poderão ser responsabilizados se o chefe da expedição actuar com negligência, e, neste caso, é provável que ele próprio também venha a ser responsabilizado, inclusive pelos próprios organizadores.




O chefe da expedição também é responsável por garantir que a qualquer momento se encontra disponível o material necessário.

Médicos

Um médico que participe numa expedição apenas como mais um dos seus membros e não na qualidade de médico, não tem nela mais responsabilidade do que qualquer outro expedicionário. Qualquer tratamento urgente que ele possa vir a aplicar poderá ser considerado como um mero acto de “bom samaritano”.





Deve-se ter cuidado com as expedições que oferecem descontos aos médicos que participam nas mesmas. Desde que aceite algum tipo de remuneração, ainda que pequena, o médico perde o direito de ser considerado como mais um membro da expedição e pode presumir-se que foi levado como médico de expedição, e como tal,  com responsabilidade civil.





Existe uma expectativa de competência  em relação ao médico de expedição quando é chamado a lidar com os problemas de saúde que possam surgir. Quando planifica os meios de que irá dispor,  deve prever quais vão ser os possíveis problemas que poderão surgir e como os enfrentar. O médico deve procurar avaliar os outros membros da expedição assegurando-se de que possuem o treino físico adequado e preparar-se para a possibilidade de ter que tratar qualquer antecedente patológico de que padeçam.





Espera-se que proporcione um tratamento imediato com a mesma qualidade que lhe proporcionariam os seus colegas numa situação similar e que seja competente na administração dos primeiros socorros. Terá também a responsabilidade de assegurar a existência de meios para o transporte de um doente grave para um local onde se possa administrar-lhe tratamento médico continuado e de prever e prevenir as possíveis complicações durante esse transporte.
Se for solicitado  aconselhamento à distância a um médico de expedição, a partir de um lugar remoto (por exemplo via rádio), este deve assegurar-se  não apenas que o seu conselho é o correcto, como também que a pessoa que executa o tratamento possui as habilidades necessárias para seguir as suas instruções.





Do mesmo modo, se um médico de expedição assessora o material sanitário e medicamentoso, pode-se considerar que implicitamente está a dar o seu consentimento para a sua utilização. Alguns tribunais podem considerar responsável o médico da expedição e condená-lo, na hipótese de algo correr mal a nível dos cuidados de saúde, a menos que, previamente, se tenham estabelecido de forma clara, protocolos, acompanhados das  devidas instruções da utilização.





Outros profissionais de saúde e demais pessoal com responsabilidade médica durante a expedição

Muitas expedições não contam com a colaboração de um médico. As pessoas que assumem a responsabilidade dos cuidados médicos devem manter-se dentro do seu nível de conhecimento e treino. Além dos critérios mencionados previamente, relativos ao consentimento informado, os membros da expedição devem conhecer o nível de formação que possui a pessoa responsável pelos cuidados de saúde, tanto antes da partida como antes de se aplicar qualquer tratamento específico.





Se alguém que não pertença à expedição for atendido em situação de urgência, é necessário deixar claro qual é o nível de formação da pessoa que presta o socorro. É considerado um delito alguém fazer-se passar por médico sem o ser – usurpação de funções (artigo 358º do Código Penal Português).
O nível e variedade do tratamento que uma pessoa pode aplicar numa situação remota estão apoiados na sua formação, no consentimento do paciente e nos meios materiais disponíveis.  A pessoa que aplica os cuidados está obrigada ao “dever de cuidar” e a exercer as suas habilitações de acordo com a sua formação, experiência, ou em função de qualquer procedimento que se tenha estipulado previamente. O paciente terá o direito a mover uma acção legal no caso de incumprimento deste “dever de cuidar”.





A qualidade de tratamento que se pode esperar dependerá das circunstâncias concretas. Dependerá, por exemplo, da formação e experiência da pessoa que fica encarregada da assistência e da forma como esta siga os conselhos dados pelo pessoal mais qualificado. As suas acções serão julgadas por comparação com o que se esperaria, em termos razoáveis, de outra pessoa com o mesmo nível de formação e na mesma situação. Quanto maior for a formação da pessoa e o seu acesso a conselho qualificado, maiores serão as espectativas de um correcto tratamento por parte do paciente e maior será o rigor com que o tribunal poderá vir a ser chamado para julgar esse tratamento.


Confidencialidade

A informação recolhida durante uma consulta médica deve ser tratada de forma confidencial.





A necessidade de obter conselho profissional de um médico que não esteja em contacto directo com o paciente, pode originar problemas de confidencialidade, principalmente se for discutido o caso clínico via rádio. No entanto, a violação da confidencialidade é por vezes inevitável, especialmente tratando-se de uma urgência em que esteja em causa o bem estar do paciente.





Deparando-se com este tipo de situação, o médico deve estar preparado para poder justificar a sua actuação e procurará, na medida do possível, ocultar a identidade do paciente e, existindo essa possibilidade, questioná-lo se deseja que a informação seja transmitida ou não.


Indemnizações

É fundamental que os profissionais de saúde assegurem que o seu seguro abrange os valores relativos a possíveis indemnizações no país em que vão actuar e, além disso, se o mesmo abrange as actividades que se vão desenrolar. Se forem presentes num tribunal fará falta um acessoriamento experiente e profissional de direito, mesmo que o caso seja infundado. Se a indemnização não estiver coberta, o custo pode ser proibitivo e a carreira poderá estar em jogo.





De qualquer modo, o medo de uma situação de sinistro poder terminar num julgamento não deverá impedir a assistência médica na expedição. Se possível, e em resumo,  deve obter-se o consentimento informado de cada um dos participantes, e as pessoas que prestam essa assistência devem manter-se dentro dos seus limites de conhecimento e habilidade. No momento de planificar uma expedição será essencial que o nível de cuidados médicos e de apoio externo sejam adequados para os riscos que se esperam encontrar.





É necessário conservar cuidadosamente todos os dados da anamnese*, dos resultados e conclusões da exploração, bem como do tratamento e curso evolutivo do paciente. Em caso de a situação terminar em julgamento, esta poderá revelar-se uma prova muito importante.

Tudo quanto aqui já ficou abordado acerca do tema, é, no essencial, feito a partir da perspectiva legal que poderá interessar a um médico assistencial. No entanto, os leitores não devem interpretar este capítulo como uma revisão definitiva ou exaustiva deste complexo tema, pretendendo-se apenas dar um panorama geral do mesmo. Os leitores que necessitem de aconselhamento para temas específicos, devem procura-lo junto dos seus próprios advogados ou das associações de cariz médico, como seja a ordem dos médicos.

Para a próxima semana e na sequência deste tema abordaremos a questão dos seguros médicos, até lá…






Boas caminhadas

*Anamnese consiste numa entrevista realizada pelo profissional de saúde ao seu paciente, que tem a intenção de ser um ponto inicial no diagnóstico de uma doença patológica – fonte wikipédia.

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