Organizadores das expedições
Quando se organiza uma expedição, as previsões relativas aos cuidados
médicos devem ser coerentes com o grau de risco a que os intervenientes vão
ficar potencialmente sujeitos.
Será da responsabilidade dos
organizadores assegurarem-se que a ajuda médica imediata e os planos de
evacuação sejam adequados, ou, pelo menos, que a qualidade dessa ajuda possa
estar à altura de dar resposta às circunstâncias que possam surgir.
Essas previsões devem incluir um seguro adequado, e dependendo do
nível de risco previsto, pode requerer-se a presença de um médico, ou de uma
pessoa com formação básica ou avançada em primeiros socorros.
Será importante que os membros da expedição devem ser informados dos
perigos a que provavelmente se vão expor, bem como dos cuidados de saúde de que
vão dispor.
Uma vez informados, o facto de continuarem a participar na expedição será
interpretado como um consentimento em relação aos riscos e ao grau de
assistência médica disponível e a aceitação de que a qualidade dos meios de
assistência médica potencialmente aplicáveis numa zona remota, será muito provavelmente
inferior ao que se aplicaria na sua área de residência.
É prudente confirmar de modo realista se os expedicionários possuem um
nível de treino físico e de experiência adequados para a expedição. É
aconselhável que os elementos que não reúnam os critérios estabelecidos sejam
excluídos dela.
Chefes de expedição
A responsabilidade do chefe de expedição nesta área dependerá das
circunstâncias em que a mesma decorra. Se fizer parte da expedição algum
profissional de saúde, então a sua responsabilidade ficará provavelmente,
limitada à ajuda no manejo da urgência médica. Nas expedições com propósito
comercial, os organizadores (em função de protocolos estabelecidos previamente)
poderão ser responsabilizados se o chefe da expedição actuar com negligência, e,
neste caso, é provável que ele próprio também venha a ser responsabilizado,
inclusive pelos próprios organizadores.
O chefe da expedição também é responsável por garantir que a qualquer
momento se encontra disponível o material necessário.
Médicos
Um médico que participe numa expedição apenas como mais um dos seus
membros e não na qualidade de médico, não tem nela mais responsabilidade do que
qualquer outro expedicionário. Qualquer tratamento urgente que ele possa vir a
aplicar poderá ser considerado como um mero acto de “bom samaritano”.
Deve-se ter cuidado com as expedições que oferecem descontos aos
médicos que participam nas mesmas. Desde que aceite algum tipo de remuneração,
ainda que pequena, o médico perde o direito de ser considerado como mais um
membro da expedição e pode presumir-se que foi levado como médico de expedição,
e como tal, com responsabilidade civil.
Existe uma expectativa de competência
em relação ao médico de expedição quando é chamado a lidar com os
problemas de saúde que possam surgir. Quando planifica os meios de que irá dispor,
deve prever quais vão ser os possíveis problemas
que poderão surgir e como os enfrentar. O médico deve procurar avaliar os
outros membros da expedição assegurando-se de que possuem o treino físico
adequado e preparar-se para a possibilidade de ter que tratar qualquer
antecedente patológico de que padeçam.
Espera-se que proporcione um tratamento imediato com a mesma qualidade
que lhe proporcionariam os seus colegas numa situação similar e que seja
competente na administração dos primeiros socorros. Terá também a
responsabilidade de assegurar a existência de meios para o transporte de um
doente grave para um local onde se possa administrar-lhe tratamento médico
continuado e de prever e prevenir as possíveis complicações durante esse
transporte.
Se for solicitado aconselhamento à distância a um médico de
expedição, a partir de um lugar remoto (por exemplo via rádio), este deve
assegurar-se não apenas que o seu
conselho é o correcto, como também que a pessoa que executa o tratamento possui
as habilidades necessárias para seguir as suas instruções.
Do mesmo modo, se um médico de expedição assessora o material
sanitário e medicamentoso, pode-se considerar que implicitamente está a dar o
seu consentimento para a sua utilização. Alguns tribunais podem considerar
responsável o médico da expedição e condená-lo, na hipótese de algo correr mal
a nível dos cuidados de saúde, a menos que, previamente, se tenham estabelecido
de forma clara, protocolos, acompanhados das
devidas instruções da utilização.
Outros profissionais de saúde e
demais pessoal com responsabilidade médica durante a expedição
Muitas expedições não contam com a colaboração de um médico. As
pessoas que assumem a responsabilidade dos cuidados médicos devem manter-se
dentro do seu nível de conhecimento e treino. Além dos critérios mencionados
previamente, relativos ao consentimento informado, os membros da expedição
devem conhecer o nível de formação que possui a pessoa responsável pelos
cuidados de saúde, tanto antes da partida como antes de se aplicar qualquer
tratamento específico.
Se alguém que não pertença à expedição for atendido em situação de
urgência, é necessário deixar claro qual é o nível de formação da pessoa que presta
o socorro. É considerado um delito alguém fazer-se passar por médico sem o ser
– usurpação de funções (artigo 358º do Código Penal Português).
O nível e variedade do tratamento que uma pessoa pode aplicar numa
situação remota estão apoiados na sua formação, no consentimento do paciente e nos
meios materiais disponíveis. A pessoa
que aplica os cuidados está obrigada ao “dever de cuidar” e a exercer as suas habilitações
de acordo com a sua formação, experiência, ou em função de qualquer
procedimento que se tenha estipulado previamente. O paciente terá o direito a
mover uma acção legal no caso de incumprimento deste “dever de cuidar”.
A qualidade de tratamento que se pode esperar dependerá das
circunstâncias concretas. Dependerá, por exemplo, da formação e experiência da
pessoa que fica encarregada da assistência e da forma como esta siga os
conselhos dados pelo pessoal mais qualificado. As suas acções serão julgadas
por comparação com o que se esperaria, em termos razoáveis, de outra pessoa com
o mesmo nível de formação e na mesma situação. Quanto maior for a formação da
pessoa e o seu acesso a conselho qualificado, maiores serão as espectativas de
um correcto tratamento por parte do paciente e maior será o rigor com que o tribunal
poderá vir a ser chamado para julgar esse tratamento.
Confidencialidade
A informação recolhida durante uma consulta médica deve ser tratada de
forma confidencial.
A necessidade de obter conselho profissional de um médico que não
esteja em contacto directo com o paciente, pode originar problemas de
confidencialidade, principalmente se for discutido o caso clínico via rádio. No
entanto, a violação da confidencialidade é por vezes inevitável, especialmente tratando-se
de uma urgência em que esteja em causa o bem estar do paciente.
Deparando-se com este tipo de situação, o médico deve estar preparado
para poder justificar a sua actuação e procurará, na medida do possível,
ocultar a identidade do paciente e, existindo essa possibilidade, questioná-lo
se deseja que a informação seja transmitida ou não.
Indemnizações
É fundamental que os profissionais de saúde assegurem que o seu seguro
abrange os valores relativos a possíveis indemnizações no país em que vão
actuar e, além disso, se o mesmo abrange as actividades que se vão desenrolar.
Se forem presentes num tribunal fará falta um acessoriamento experiente e
profissional de direito, mesmo que o caso seja infundado. Se a indemnização não
estiver coberta, o custo pode ser proibitivo e a carreira poderá estar em jogo.
De qualquer modo, o medo de uma situação de sinistro poder terminar
num julgamento não deverá impedir a assistência médica na expedição. Se
possível, e em resumo, deve obter-se o
consentimento informado de cada um dos participantes, e as pessoas que prestam
essa assistência devem manter-se dentro dos seus limites de conhecimento e
habilidade. No momento de planificar uma expedição será essencial que o nível
de cuidados médicos e de apoio externo sejam adequados para os riscos que se
esperam encontrar.
É necessário conservar cuidadosamente todos os dados da anamnese*, dos
resultados e conclusões da exploração, bem como do tratamento e curso evolutivo
do paciente. Em caso de a situação terminar em julgamento, esta poderá
revelar-se uma prova muito importante.
Tudo quanto aqui já ficou abordado acerca do tema, é, no essencial,
feito a partir da perspectiva legal que poderá interessar a um médico
assistencial. No entanto, os leitores não devem interpretar este capítulo como
uma revisão definitiva ou exaustiva deste complexo tema, pretendendo-se apenas
dar um panorama geral do mesmo. Os leitores que necessitem de aconselhamento para
temas específicos, devem procura-lo junto dos seus próprios advogados ou das
associações de cariz médico, como seja a ordem dos médicos.
Para a próxima semana e na sequência deste tema abordaremos a questão
dos seguros médicos, até lá…
Boas caminhadas
*Anamnese consiste numa entrevista realizada pelo profissional de
saúde ao seu paciente, que tem a intenção de ser um ponto inicial no
diagnóstico de uma doença patológica – fonte wikipédia.
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