Ainda hoje, muita gente olha para quem pratica actividades de montanha
com algum desdém. Olham para um montanheiro como uma pessoa masoquista que
apenas sobe e desce montanhas carregando uma mochila pesada e se alimenta de
comida congelada e frutos secos.
Essas pessoas apenas não entendem a sensação de sentir o vento na
cara, de beber a água gelada das montanhas quando temos sede, a sensação de
estar deitado debaixo de um céu coberto de estrelas e escutar o som do intenso
silêncio que tudo envolve.
Logicamente, nem todas as pessoas entendem. O homem civilizado
percorreu um longo caminho nos últimos séculos, e o que dantes era prática
normal, hoje passou a ser algo extravagante. O desejo de utilizar as próprias
pernas para caminhar, por gosto, é difícil de compreender para uma pessoa cuja
única experiência de marcha se reduz a ir da porta de sua casa para o carro.
Será que o homem moderno no fundo do seu ser, tem a necessidade de regressar
aos velhos tempos, em que tudo fluía lentamente, em que o curso natural das
coisas se impunha a novas ideias?
Uma escapada de apenas uma noite ao cume de uma montanha próxima pode
refrescar-nos a mente e o corpo e livrar-nos de um monte de problemas e
pensamentos que chegamos a ter como insuperáveis. Lá em cima, apenas nos preocupam as coisas
simples, como onde colocar a tenda, onde comer e o quê, se uma nuvem escura no
horizonte nos vai trazer chuva ou inclusive neve. Ao fim de uns momentos os
pensamentos óbvios tornam-se ponderáveis e de seguida, a mente, livre da
confusão dos pensamentos cotidianos, relaxada pelo espaço e pela solidão, vê
surgir dela os problemas urgentes, mas agora de uma forma lógica e coordenada
que apresenta soluções às perguntas que surgem.
Mas atenção, não podemos pensar que o montanhismo é a solução para
todos os problemas que nos surgem diariamente. Depois de tudo é apenas uma
solução a curto prazo para esses problemas, sendo, no entanto, uma oportunidade
para os ver numa perspectiva real, para o que se requer prática e tempo.
O montanheiro principiante passa constantemente dias inteiros sofrendo
de dores provocadas por bolhas nos pés, queixando-se do peso da mochila
carregada em excesso, etc. Desta forma, os problemas cotidianos podem acabar
por ser substituídos pelos problemas inerentes à prática do montanhismo.
Como espécie, nós estamos muito afastados da capacidade que tinham os
nossos antepassados de se adaptarem à vida ao ar livre. Centenas de anos de
vida cómoda, acabaram por nos privar da herança que era nossa por natureza. Já
não possuímos a capacidade natural de andar, de viver em montanhas, portanto
devemos aprender tudo de novo. Temos que voltar a utilizar as nossas pernas, os
pulmões e o coração.
Com a ajuda das invenções modernas, temos que aprender a orientar-nos,
a prever as condições meteorológicas, a procurar os locais mais apropriados
para dormir de noite, e além de tudo isso, temos que nos desfazer dos
travamentos físicos e mentais que nos foi imposto pela “vida de luxo”.
Não podemos esquecer que a tecnologia actualmente existente, nos ajuda
a desfrutar da montanha sem grande sofrimento e com mais conforto,
auxiliando-nos no nosso propósito do montanhismo. Desprezar esses equipamentos
seria uma total hipocrisia. Poucos negam que as pequenas joias tecnológicas da
vida actual adaptadas ao nosso equipamento, tornam a nossa evasão muito mais
fácil.
No entanto, o que constitui o êxito de uma incursão pela montanha, não
é o que levamos na nossa mochila, mas sim nas coisas que vemos e admiramos, as
sensações que experimentamos e os sons que escutamos.
Porém, toda esta tecnologia encerra uma ratoeira, pois é difícil
combinar um alto nível de conforto durante a noite, com um alto nível de
conforto durante o dia, pois teremos que carregar o pesado equipamento e só a
práctica e a experiência serão aqui os nossos mestres para realizar o exacto
equilíbrio entre essas duas opções.
A imensidão da natureza está aberta para o montanheiro, e após algumas
caminhadas e acampamentos nocturnos, o principiante montanheiro pode começar a
ultrapassar as suas barreiras. Existem vastas zonas disponíveis para os
montanheiros, embora que estas estejam a ser reduzidas de uma forma que nos
deve fazer parar e reflectir. Existem informações que demonstram que muitas das
zonas naturais do mundo começam a padecer de um excesso de uso. Enormes
montanhas de lixo são constantemente retiradas de locais remotos com o recurso
a helicópteros, e é preciso não esquecer que este lixo foi abandonado na montanha
por montanheiros, escaladores e excursionistas. Os caminhos são pisados por
milhares de botas. Que podemos fazer em relação a isto?
Cada montanheiro deve ser um guarda da natureza, pois o meio natural
deve ser tratado com o maior respeito e cuidado possível. O montanheiro
tradicional adora fazer fogueiras, as quais constituem um enorme perigo para a
montanha. Pode-se utilizar fogões em vez das fogueiras, que embora não sejam um
recurso tão romântico, é mais rápido e limpo. Não devemos alargar os trilhos já
feitos, com o facto de ir pisando as suas bordas, devemos caminhar pelo centro
do trilho. Estas são algumas das simples actitudes que poderão marcarão a
diferença no futuro.
Há alguns anos atrás existia um lema de montanha que rezava “Deixa
apenas pisadas, leva apenas fotos”. No entanto, como demasiados montanheiros já
deixaram demasiadas pisadas, hoje o lema deverá ser mudado para “Não deixes
nada, leva apenas fotos, ar puro e recordações”.
Este é o nosso mundo, e por agora , o único que temos. Se não
cuidarmos nós próprios dele, os nossos filhos não terão tampouco hipóteses de o
fazer.
A natureza é um meio frágil em perpétuo equilíbrio que necessitará dos
nossos cuidados e atenção para se manter. Antes da chegada destrutiva do homem,
a natureza podia-se regenerar e ressurgir de qualquer catástrofe, mas a
incessante pressão a que a submetemos, torna esta tarefa cada vez mais
complicada.
Os montanheiros não são eremitas nem seres estranhos, não estão aqui
para disfrutar e mesquinhar as maravilhas deste mundo apenas para si próprios.
Partilhando o que sabem, conseguirão que cada vez mais gente seja capaz de
apreciar os lugares mais agrestes e as vantagens que estes encerram, uma
herança que, por sua vez, os nossos filhos e os filhos dos nossos filhos
deverão aprender a desfrutar e respeitar.
Boas caminhadas
Conhecer Braga e quase Portugal inteiro; conhecer os portugueses; hábitos; valores, foram para mim, uma experiência maravilhosa.Essa matéria tão bem elaborada me fizeram recordar.Saudades desse lindo país
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