03 abril 2013

Socorro em Montanha - 17º parte – RCP, Reanimação Cardiopulmonar

Neste tema apenas vamos abordar a ressuscitação cardiopulmonar básica, não abordando a avançada uma vez que esta  já será efectuada por pessoal qualificado e com a ajuda de equipamento especializado. 



No entanto, mesmo estas técnicas básicas necessitam de formação e treino efectuado por pessoal  devidamente preparado e treinado. 




Como de costume e para uma melhor compreensão, iniciaremos o tema abordando o aspecto da anatomia que envolve este tipo de socorro.




O aparelho cardiorespiratório

A estrutura básica do corpo humano é a célula. Os agrupamentos de células formam os tecidos e o conjunto de tecidos compõem os órgãos. Os órgãos formam parte dos aparelhos ou sistemas, sendo que o conjunto destes  constitui o organismo.

As células necessitam de energia para viver. A energia obtém-se ao realizar-se a combustão da glicose na presença de oxigénio no interior das células nuns pequenos órgãos intracelulares chamados mitocôndrias.
Portanto a presença de oxigénio é fundamental para o funcionamento celular. Se for detido o consumo de oxigénio, as células experimentam um sofrimento que pode originar a morte celular.




Aparelho respiratório

O aparelho respiratório é o responsável pela introdução do oxigénio no organismo. Este sistema está situado na cavidade torácica, protegido pelas costelas, pelo esterno, e pelas vértebras. É separado da cavidade abdominal pelo diafragma.

Este aparelho é constituído por:

. As vias respiratórias.
. Os pulmões.
. A pleura.
. Os elementos motores.





Vias respiratórias

A sua função principal é a de conduzir o ar da atmosfera para os pulmões.

São constituídas por:

. O nariz, que tem uma função acondicionadora do ar (filtra, aquece e humidifica).
. A boca e a faringe.
. A laringe, separada do tubo digestivo pela epiglote. É o local onde se encontram as cordas vocais.
. A traqueia.
. Os brônquios.


Os pulmões

A sua estrutura básica é composta pelos alvéolos, que são pequenos sacos que se incham e desincham com os movimentos respiratórios. Estão em contacto íntimo com os capilares sanguíneos e neles realizam-se as trocas de gases que permitem incorporar oxigénio no sangue e eliminar dióxido de carbono.





Pleura

É uma fina membrana que envolve os pulmões e a parte interior da caixa torácica para conservar a pressão interna. Entre a pleura aderida aos pulmões (pleura visceral) e a pleura aderida  à caixa torácica (pleura parietal) existe um espaço virtual que em caso de pneumotórax se enche de ar e pode chegar a comprimir e inclusive colapsar os pulmões. No caso de hemotórax, este aspaço virtual enche-se de sangue podendo provocar os mesmos problemas (tema já abordado em Traumatismo torácico).



Os elementos motores

. Rigidos: caixa torácica, formada pela coluna vertebral, pelas costelas e pelo esterno.
. Móveis:  os músculos (diafragma, intercostais, etc).
. Reguladores: nervos e centro respiratório, situado no bolbo raquideano.


Dinâmica do aparelho respiratório

A entrada e a expulsão de gases realiza-se devido aos movimentos respiratórios que são:

. A inspiração (entrada de ar).


. A expiração (saída de ar)

A inspiração realiza-se devido a uma elevação das costelas e um relaxamento do diafragma, que provocam um aumento da capacidade intratorácica, originando assim a entrada de ar. É um movimento activo que requer trabalho muscular.

A expiração é o processo inverso e origina a expulsão do ar. É um movimento passivo que se realiza devido à elasticidade dos elementos móveis. A frequência respiratória normal num adulto saudável, oscila entre 12 e 16 respirações por minuto.







Aparelho cardiovascular

Tem a função de distribuir o oxigénio por todo o corpo. Está formado por:

. Uma bomba: o coração.
. Um sistema de canais: Os vasos sanguíneos.
. Um fluído transportador: o sangue.




O coração

É um músculo vazio, situado na cavidade torácica, chamado miocárdio. Efectua uns movimentos de contracção (sístole) e relaxamento (diástole), chamados batimentos, que provocamo movimento do sangue pelos vasos sanguíneos. Os batimentos podem ser detectados mediante a transmissão pulsante que fazem as artérias (pulso). O coração de um adulto saudável, em repouso bate 60 a 80 vezes por minuto.





Os vasos sanguíneos

Fundamentalmente existem três tipos de vasos:

. Vasos de saída do coração: artérias.
. Vasos de entrada no coração: veias.
. Vasos de trocas de gases nas células: capilares.


Os vasos sanguíneos formam dois ciclos:

. Grande circulação: vai desde o ventrículo esquerdo até à aurícula direita, passando por todo o organismo. Envia oxigénio a todo o organismo através das artérias. O oxigénio que circula pelo sangue através deste circuito, atravessa as paredes dos vasos e chega às células onde participa na combustão da glicose para obter energia.
   . O dióxido de carbono que resulta da reacção do oxigénio na presença da glicose, atravessa a parede celular e a dos vasos, incorporando-se na corrente sanguínea para retornar ao coração, através das veias, pela aurícula direita.

. Pequena circulação: vai desde o ventrículo direito até à auricula esquerda, passando pelos pulmões.
   . O dióxido de carbono que circula pelo sangue, atravessa a parede dos vasos e dos alvéolos pulmonares, sendo expulso. O oxigénio percorre o caminho inverso e incorpora-se no sangue de retorno ao coração através da aurícula esquerda.




O sangue

É o fluído que circula pelos vasos. É composto por uma parte líquida, o plasma, e uma parte sólida, as células. Entre as células existem os glóbulos vermelhos que são os transportadores do oxigénio.








Reanimação cardiopulmonar

A reanimação cardiopulmonar (RCP) consiste num conjunto de técnicas que se aplicam a um paciente em situação de paragem cardiorrespiratória. Estas técnicas, como são fundamentalmente práticas, necessitam de uma aprendizagem, uma actualização e um treino periódico que se podem adquirir  nos cursos de socorrismo. As técnicas de RCP estão constantemente a ser actualizadas.

A RCP básica consiste em manter a via aérea da vítima livre e permeável, assegurando a ventilação e a circulação sem a intervenção de equipas médicas ou medicações especiais.

O socorrista/montanheiro centrará os seus pontos de actuação nos seguintes aspectos: Avaliação inicial da consciência, permeabilidade das vias aéreas e compressões cardíacas externas.




A paragem cardíaca é uma paragem brusca do batimento cardíaco, comprometendo  a circulação sanguínea e portanto, do transporte de oxigénio aos tecidos. Caracteriza-se pela perda de conhecimento, a ausência de pulso e de movimentos respiratórios.

A consciência perde-se entre três e onze segundos depois da interrupção do fluxo sanguíneo cerebral. Portanto, um ferido que esteja semiconsciente, não estará em paragem cardíaca.

A falta de oxigénio por um período de entre três e dez minutos pode produzir lesões irreversíveis no cérebro. A cianose (pele azulada nas extremidades) não costuma aparecer até que a hipoxemia (descida do oxigénio no sangue) seja grave (saturação de oxigénio <80 p="">

A dilatação pupilar aparece 30 a 60 segundos após o início do quadro clínico e pode orientar sobre a eficácia da reanimação, não tendo este sinal, no entanto, valor em hipotérmicos (vítimas em estado de hipotermia, já abordado num tema anterior).

Tendo estas referências,  devem ser avaliadas e identificadas as situações de risco vital e simultaneamente ser iniciado o tratamento que se mostrar adequado.

Não se deve tardar mais do que 10 a 20 segundos para efectuar esta avaliação funcional e em iniciar a reanimação cardiopulmonar básica, caso assim se revele necessário.



As técnicas de suporte básico de vida visam manter uma oxigenação e circulação adequadas, sem o recurso a equipamentos que não sejam os estritamente necessários para assegurar as medidas de protecção na insuflação, como seja  por exemplo o uso de máscara de protecção na execução das insuflações.




Os primeiros minutos são decisivos para as hipóteses de  sobrevivência da vítima.

Várias situações podem originar uma paragem cardio-pulmonar, tais como o enfarte agúdo do miocárdio, a obstrução das vias aérea, etc.







O que fazer?

Não se deve fazer qualquer aproximação a uma vítima sem primeiro serem verificadas as condições de segurança. Num cenário instável, o socorrista/montanheiro pode tornar-se mais uma vítima. Garantida a segurança, deve ser feita a aproximação à vítima e deve ser avaliado o seu estado de consciência, tocando suavemente os ombros da vítima e chamando por ela.





Se a vítima não reagir aos estímulos, deve-se colocá-la de costas (isto se não houver suspeitas de lesões cervicais ou outras graves que impeçam a sua mobilização).

De seguida deve-se fazer a abertura da via aérea utilizando o método de extensão da cabeça, com elevação do maxilar inferior e executar o “VOS” (Ver – existência de movimentos torácico abdominais, Ouvir – o ruído da inspiração/expiração,  e Sentir – a saída de ar na face do socorrista)  para avaliar se a vítima tem uma ventilação eficaz.











Na suspeita de lesão vertebro-medular, deve-se substituir a técnica de extensão da cabeça e elevação do maxilar inferior, pela técnica de elevação da mandíbula.


Como executar a técnica da extensão da cabeça e elevação do maxilar inferior:

1 – Colocar uma mão na testa da vítima, libertando os dedos indicador e polegar. Estes servirão para apertar o nariz se for necessário fazer insuflações.

2 – Inclinar a cabeça da vítima ligeiramente para trás.

3 – Dois dedos da outra mão deverão ser  colocados sob o maxilar inferior, fazendo uma ligeira tracção para cima.





Como executar a técnica da elevação da mandíbula:

1 – Os dedos polegares são colocados de cada um dos lados da boca, sobre a mandíbula.

2 – Os restantes dedos de cada uma das mãos.ficam sob o ângulo da mandíbula, fazendo força para cima e para a frente.

2 – Os restantes dedos de cada uma das mãos, ficam sob o ângulo da mandíbula, fazendo força para cima e para a frente.

3 – Os polegares ajudam a manter a boca aberta.





Se a vítima não ventila

O socorrista/montanheiro pode fazer a pesquisa do pulso na artéria carótida. Contudo, se não tiver treino ou surgir alguma dúvida sobre a presença ou não de circulação, o socorrista/montanheiro deve proceder como se tratasse de ausência de circulação. Assim deve iniciar as compressões torácicas. Deve verificar se a vítima se encontra sobre uma superfície dura e plana ou procurar colocá-la num plano duro de forma a garantir a eficácia das compressões torácicas.




Se o socorrista/montanheiro tiver a certeza que a vítima se encontra apenas em paragem ventilatória, deve executar 10 insuflações por minuto, fazendo de seguida nova avaliação do pulso e/ou sinais de circulação






Técnica de compressão torácica:

1 – Colocar a base de uma mão na metade inferior do esterno, na linha média do tórax, e colocar a outra mão sobre a primeira, entrelaçando e levantando os dedos.




2 – Não fazer pressão sobre as costelas, na parte superior do abdómen ou sobre o apêndice xifóide (ponta interior do esterno).

3 – Manter os braços esticados, perpendicularmente ao tórax da vítima.

4 – Pressionar o tórax 4 a 6 centímetros, 30 vezes. Após cada compressão aliviar totalmente, sem perder o contacto com o esterno, e fazer as compressões a um ritmo de 100 por minuto. O tempo de compressão é igual ao tempo de descompressão.




Depois de fazer 30 compressões torácicas, e através de um insuflador manual de balão (se existir), 




de uma máscara de bolso (que deve existir), 




ou em ultimo recurso  através do método de boca-a-boca,




 insuflar suavemente, enquanto se observa a elevação do tórax. Fazer a insuflação durante um segundo. A quantidade de ar a insuflar é a estritamente necessária para elevar o tórax, ou seja aproximadamente 700 a 1.000 ml de ar, o qual é suficiente para conseguir uma adequada ventilação, se for insuflada uma quantidade maior de ar e insuflado rapidamente, aumenta o risco de insuflação gástrica (entrada de ar no estômago, provocando distensão, com perigo de regurgitação e aspiração de vómito. Um estômago distendido, também diminui a capacidade de expansão torácica durante a insuflação).
No final de cada insuflação deve-se observar a descida do tórax. Fazer nova insuflação. Após duas insuflações, volta-se às 30 compressões torácicas.




O método de insuflação boca-a-nariz pode ser uma alternativa, quando o boca-a-boca é impossível quer devido a lesão da boca, ou por incapacidade de boa selagem ou em vítimas de afogamento ainda na água, ou quando não está disponível um insuflador.
Se a insuflação inicial não fizer o tórax expandir, deve-se verificar:

. Se existe algum corpo estranho na boca, o qual se deve retirar apenas se estiver visível.

. Se existem secreções, vómito ou sangue.

. Se a posição da cabeça está correcta.

Não se deve tentar fazer mais do que as duas insuflações sem fazer compressões torácicas. Se houver mais do que um socorrista/montanheiro a fazer a reanimação, devem trocar de posição após cada dois minutos para evitar a fadiga.


Até quando se devem manter as manobras de suporte básico de vida:

. Quando chegar alguém mais qualificado ou à chegada ao hospital.

. Quando a vítima começar a ventilar de forma eficaz.

. Ocorrendo a exaustão do socorrista/montanheiro.

Se por alguma razão não for possível  efectuar a insuflação, deve-se fazer apenas as compressões torácicas a um ritmo de 100 por minuto. Esta manobra deve ser suspendida logo que a vítima recupere a ventilação eficaz.


Método de insuflação boca-a-boca

1 – Fechar o nariz da vítima com os dedos indicador e polegar da mão que faz a extensão da cabeça.

2 – Manter a boca da vítima aberta.

3 -  Fazer uma inspiração normal e adaptar a sua boca à boca da vítima de forma a obter uma selagem perfeita. Insuflar durante um segundo.


Método de insuflação boca-a-nariz

Com a cabeça na mesma posição que no método de boca-a-boca, manter o nariz liberto e, com os dois dedos na mandibula, fazer pressão para manter a boca fechada.  De seguida fazer uma inspiração normal e adaptar a sua boca ao nariz da vítima de forma a obter uma selagem perfeita. Insuflar durante um segundo.





Complicações da RCP

. Fracturas de costelas e esterno.

. Hemotórax (sangue entre a caixa torácica e o pulmão).

. Pneumotórax (ar entre a caixa torácica e o pulmão).

. Hemopericárdio (sangue entre o coração e o tecido que o envolve).

. Lesão de fígado e baço.

Para prevenir estas complicações deve-se nomeadamente, evitar comprimir sobre a ponta do esterno, evitar que os dedos toquem as costelas e evitar movimentos bruscos.




Esperemos que nunca necessitem executar estas técnicas, no entanto são movimentos simples que salvam vidas. Frequentem um curso de primeiros socorros e enriqueçam a vossa sabedoria para um dia poderem dizer, “salvei uma vida”, e para que não se arrependam um dia de dizer “podia ter salvado uma vida”.




Boas caminhadas ….

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