17 abril 2013

Socorro em Montanha – 19ª parte - Lesões dos tecidos moles




As lesões dos tecidos moles são as que não afectam os ossos nem os ligamentos. As mais comuns em montanha são as contusões, as abrasões, as lacerações e bolhas.






Contusões ou hematomas

As contusões ou hematomas são lesões provocadas por achatamento que produzem hemorragias nos tecidos lesados. Costumam ser originadas por golpes directos na superfície da pele. A hemorragia que se produz debaixo da pele confere-lhes uma cor azulada (hematoma).

Tratamento:

. Repouso

. Frio local

. compressão local

. Elevação do membro com a finalidade de reduzir o inchaço e a dor.





. Pode-se administrar analgésicos com iboprufeno em doses de 400-600 mg a cada 8-12 horas.

Abrasões, lacerações e feridas que não requerem sutura

As abrasões são provocadas por atrito, quando se desprende a camada mais externa da pele. São frequentes por fricção com a neve ou erva durante as quedas ou a fricção com uma corda durante o asseguramento.
Com o desaparecimento da camada superior da pele, ficam expostos numerosos capilares sanguíneos e a sujidade que penetra na pele aumenta a probabilidade de infecções, se a ferida não for limpa adequadamente.
Um caso concreto são as queimaduras na zona das articulações. Não são lesões muito graves mas são muito irritantes.
As lacerações são originadas pelo raspar dos tecidos por um objecto pontiagudo ou cortante, dando à ferida um aspecto de cavidade com extremidades irregulares.






Tratamento das feridas que não requerem sutura:

. Controlar a hemorragia

. Evitar a infecção lavando a ferida a fundo. Convém lembrar que os antissépticos não compensam uma lavagem negligente. Antes de limpar a ferida, convém lavar bem as mãos com água e sabão abundantes. Se tivermos luvas esterilizadas, convém usa-las. A ferida limpa-se com água limpa abundante e sabão líquido. Se tivermos uma seringa grande, pode-se aplicar jato de água  sobre a ferida de forma a arrastar melhor a sujidade. Se ficar tecido morto, retira-se com o auxilio de uma pinça ou corta-se com tesoura esterilizada.

. Desinfecção com iodopovidona.

. Se a ferida for pequena e não sangrar e o ambiente for limpo, pode-se deixar ao ar.

. Em caso contrário pode-se cobrir com uma compressa que se fixa com uma ligadura ou adesivo. O penso deve ser mudado diariamente para evitar a infecção da ferida.

. Profilaxia antitetânica se for necessário. Lembrar que após a imunização inicial, deve ser administrada nova dose a cada 10 anos.

. Nas queimaduras, depois de limpar e secar, deve-se aplicar uma pomada cicatrizante e cobrir a zona com compressas para evitar novas roçadelas.
Os sinais de infecção de uma ferida são os mesmos de qualquer inflamação: dor, calor, vermelhidão, tumefacção e limitação do movimento. Se a dor não diminuir após 3 dias, a vermelhidão se estender para cima da extremidade, o movimento for limitado, a febre ser elevada e persistir para além dos 2 a 3 primeiros dias, os gânglios linfáticos aumentam e tornam-se dolorosos e aparece pus, perante este quadro deve-se supor que a ferida infeccionou. No caso de a ferida estar infectada, deve-se abrir para drenar, colocando uma gaze sobre a ferida para que esta não feche procedendo-se à administração de antibióticos.

Queimaduras por fricção

As queimaduras por fricção são particularmente perigosas para o alpinista, cujas cordas podem correr entre as mãos ou à volta das pernas e gerar fricção suficiente para produzir uma queimadura substancial e uma ferida profunda. A prevenção é sempre melhor que a cura, e o uso de roupa e luvas adequadas e as técnicas de alpinismo deviam ajudar a impedir estes ferimentos. 


Contudo, se ocorrerem, o tratamento é o habitual: irrigar e arrefecer (nas montanhas é geralmente fácil encontrar neve), cobrir e depois avaliar se existem quaisquer outros ferimentos.



Bolhas

As bolhas geralmente são originadas pela fricção dos pés com as botas, que necessitam de consideração especial, não só porque são extremamente comuns mas porque se não são tratadas e são deixadas em condições anti-higiénicas durante muito tempo, podem produzir infecções graves.






Prevenção:

As bolhas anunciar-se-ão ao produzir um notável ponto quente na pele, e é este o momento em que se deve mudar de calçado ou de meias.  Se houver disponível uma pomada, deve-se aplicar. Depois de a zona ter sido arrefecida e tratada, pode-se continuar o caminho. Devem-se seguir as seguintes normas para evitar bolhas:

. Ajustar correctamente as botas.

. Se existirem pontos de fricção, é recomendável colocar nestes pontos 3 ou 4 compressas bem ajustadas sem enrugamentos e que excedam amplamente a zona de fricção.

. Polvilhar os pés com pó de talco ou aplicar vaselina.

. Utilizar meias tubulares ou dois pares de meias.

. Mudar de meias frequentemente.

. Se surgir dor durante a marcha, sempre que seja possível, será melhor parar e colocar compressas antes de aparecerem as bolhas.

Tratamento:

Por vezes as bolhas desenvolvem-se totalmente e, como acontece com as queimaduras, não se devem rebentar voluntariamente, a não ser que, pela localização, afecte a mobilidade do montanheiro, neste caso deve-se rebentar usando os cuidados a seguir descritos.

Quando já apareceu a bolha, pode-se esvaziar com o auxilio de uma agulha desinfectada, cobrindo-se de seguida com uma compressa esterilizada, procedendo antes à sua desinfecção.

. Limpar a área à volta da bolha (cuidadosamente) usando sabão e água, que pode actuar como um desinfectante suficientemente bom.

. Agora será necessário uma agulha ou uma lâmina esterilizadas para lancetar a bolha. A esterilização pode ser feita emergindo o aço em álcool, fervendo-o durante uns cinco minutos, ou segurando-o sobre uma chama. Melhor ainda será ter no estojo de primeiros socorros, agulhas esterilizadas e seladas.

. Perfurar a bolha numa extremidade, geralmente o seu ponto mais baixo, e deixar o fluido escoar. Não se deve retirar a pele da bolha, deixa-se no local para proteger a ferida de infecções.

. cobrir a ferida e limpar regularmente. Deve-se continuar a verifica-la para o caso de surgirem infecções e aplicar uma pomada antibiótica se for possível.





Se a pele que cobre a bolha se desprender, deve-se tratar do caso como se fosse uma queimadura por fricção com uma compressa não adesiva.






Se for evitado o roçamento da zona, a cura será rápida. Sempre que possível, deve-se deixar a bolha a descoberto para que seque e cicatrize rapidamente.
No meio montanheiro também se utiliza o método de perfurar a bolha com uma agulha esterilizada onde se colocou previamente uma linha. Fura-se a bolha de um lado ao outro e retira-se a agulha deixando ficar a atravessar a bolha, a linha que vai servir de drenante do fluido que se encontra no interior da bolha. Este método também é eficaz mas no entanto é mais sujeito a infecções provocadas pela própria linha.






Hematoma subungueal

Um hematoma subungueal (acumulação de sangue debaixo da unha) pode-se esvaziar através da unha, com o auxilio da ponta de um clip previamente aquecido numa chama até ficar com a ponta vermelha em brasa. Este procedimento é indolor, quando aplicado sem tocar na matriz ungueal ao furar a unha e proporciona um rápido alívio da dor.






Unhas encravadas

As unhas encravadas ocorrem quando a extremidade da unha cresce por debaixo do tecido mole circundante dando lugar a uma dolorosa inflamação e infecção.






Prevenção:

. O calçado deve ter o comprimento e largura adequados, pois a pressão contínua sobre a unha pode originar ao seu encravamento.

. As unhas dos pés devem ser cortadas de forma recta, evitando que as margens laterais penetrem na pele.

. As mudanças de meias, arejando e secando os pés eliminam o excesso de humidade devido ao suor, que é um factor desencadeante desta patologia.

Tratamento:

Para tratar uma unha encravada, é necessário humedecer, se for possível, o pé em água quente durante cerca de 20 minutos e quando a unha estiver macia e flexível, deve-se introduzir uma bolinha de algodão com uma gota de povidona iodada debaixo da sua extremidade com o auxilio de umas pinças para levantar o tecido mole. Deve-se repetir este processo até que a unha tenha crescido o suficiente para poder ser cortada recta.





Corpos estranhos nos olhos

Se uma partícula estranha entrar num dos olhos, não se deve esfregar. Se a partícula estiver debaixo da pálpebra superior, agarra-se nas pestanas da pálpebra superior e puxa-se esta para cima e para fora do contacto com o globo ocular. Aguenta-se a pálpebra nesta posição até as lágrimas correrem livremente. Normalmente, as lágrimas arrastarão a partícula para o exterior.
Se as lágrimas não conseguirem arrastar a partícula para o exterior, pede-se a alguém que olhe e inspecione o globo ocular e a pálpebra inferior. Quando o objecto for descoberto, remove-se com a ponta de uma compressa ou de um lenço limpos.





Se o objecto não se encontrar na pálpebra inferior, deve-se inspecionar a pálpebra superior. Agarra-se nas pestanas com o polegar e o indicador e coloca-se um pau de fósforo, uma cotonete ou pequeno raminho sobre a pálpebra. Puxa-se a pálpebra para cima e sobre o pau de fósforo. Examina-se o interior da pálpebra enquanto a vítima olha para baixo. Com cuidado, remove-se a partícula com a ponta humedecida de uma compressa ou um lenço limpos.





Se a partícula estranha for vidro ou metal ou não puder ser removida pelas técnicas descritas, tapam-se ambos os olhos da vítima e leva-se para uma instalação de tratamento médico.
Nota: se apenas um dos olhos for tapado, a vítima usará o outro olho. Como o movimento dos olhos é sincronizado, a utilização do olho não afectado pode dar origem a movimentos do olho afectado, provocando assim a lesões adicionais.





Se um produto ácido ou irritante entrar para os olhos, estes banham-se imediatamente com água abundante. Para banhar o olho direito, roda-se a cabeça para o lado esquerdo e para lavar o olho esquerdo, roda-se a cabeça para o lado direito, fazendo a água correr sempre do interior do olho para o exterior. Desta forma evita-se que o produto ácido ou irritante escorra para o outro olho.






Corpos estranhos nos ouvidos e nariz

Nunca tente remover um corpo estranho dos ouvidos.





Um insecto pode ser retirado facilmente de um ouvido atraindo-o com um foco luminoso colocado junto da orelha. Se isto falhar, pode-se afoga-lo ou imobiliza-lo deitando água no ouvido. Por vezes é possível retirar objectos estranhos dos ouvidos utilizando apenas água. Contudo, se o objecto é dos que incham quando molhados, tais como sementes ou pedaços de madeira, não se deve colocar água nos ouvidos.





De um modo geral, a inspecção do nariz comprimirá ainda mais o corpo estranho. Pode-se provocar desta forma uma lesão nas fossas nasais. Tenta-se remover o objecto soprando suavemente pelo nariz. Se não resultar, deve-se procurar ajuda médica.





Tratamento de feridas que requerem sutura

Nas feridas profundas, é imprescindível a limpeza com água limpa abundante e sabão, para remover restos de terra e corpos estranhos juntamente com coágulos e restos de sangue. É provável que ao remover coágulos se reabram bocas vasculares e origine novamente sangramento, o que obriga à colocação de um penso compressivo, só que desta feita sobre uma ferida mais limpa.
Numa ferida profunda é importante avaliar o movimento, a circulação e a sensibilidade para confirmar que não existe afectação muscular, tendinosa, vascular nem nervosa. Para se conseguir uma boa hemostasia numa situação de urgência será suficiente aplicar uma compressão adequada. Não é conveniente proceder à sutura de uma ferida profunda, se esta não for bem explorada para despistar lesões arteriais e nervosas, que podem passar despercebidas fora de um ambiente cirúrgico.
Após esta avaliação, o pessoal não sanitário pode unir os bordos da ferida com pontos de borboleta, que são  tiras de papel adesivo, específicas para unir os bordos das feridas e que se deixam colocadas por um período de uma semana aproximadamente.






O pessoal que efectua o resgate e com conhecimentos e  experiência pode efectuar a sutura mediante a seguinte técnica:
. Se a ferida é limpa e tem menos de 6 horas de evolução, sutura-se directamente. Se tem mais de 6 horas, terá que ser tratada por especialistas que decidirão se aplicam sutura ou não, e em caso afirmativo cortará os bordos da ferida antes de a suturar.

. Anestesia local. Utiliza-se uma agulha fina, coloca-se o bisel da agulha em posição horizontal em relação à pele e após fazer uma pequena aspiração, para verificar que a agulha não está no interior de nenhum vaso sanguíneo, infiltra-se anestésico provocando uma pequena pápula dérmica.  Infiltração anestésica “em diamante” com duas secções em ambos os vértices, introduzindo a agulha por um deles e injectando pequenas quantidades de anestésico à medida que se avança, sendo que ao extraír a agulha se injecta maior quantidade. Ao chegar ao ponto de entrada e sem extraír a agulha, muda-se a direcção desta para infiltrar do outro lado. Seguidamente repete-se a mesma  técnica  na secção do outro vértice.

. Limpeza da ferida com iodopovidona de dentro para fora.

. Exploração da ferida

. Sutura






Eleição do fio de sutura:

. Para a cara: fio 5-6/0.

. Para o couro cabeludo: fio 2-3/0.

. Para o tórax e costas: fio de 3-4/D.

. Para os membros superiores: fio 4-5/0.

. Para os membros inferiores: fio 4/0.

. Para o tecido celular subcutâneo: vicril ou dexon 3-4/0.

Técnica de sutura:

. Fechar primeiro os planos profundos para não deixar cavidades livres onde se acumulariam hematomas que se poderiam infectar.

. De seguida, suturar a pele com o menor número de pontos. O nó deve ser apertado até que os lábios da ferida iniciem o contacto. De seguida faz-se um nó em cada lado da ferida, de forma a evitar que se exerça demasiada pressão no nó, já que poderia originar uma área de isquemia  e progredir para uma infecção local.






Tempo necessário para retirar os pontos:

. Da cara: 4-5 dias.

. Do nariz: 3-5 dias.

. Do escalpe: 7 dias.

. Das extremidades: 10-12 dias.

. Do tronco: 6-14 dias.

. Efectuar profilaxia anti-tetânica se for necessário.

. Colocar uma compressa e ligadura.




Podem existir,  no entanto situações, em que as equipas de resgate demoram demasiado tempo, devido ao difícil acesso até à vítima ou mesmo devido a más condições meteorológicas, ou ainda locais onde não existam equipas de resgate. Nestes casos o socorrista/montanheiro, com um mínimo de conhecimentos poderá efectuar uma sutura, mas apenas em casos de extrema necessidade.
Quando a ferida é muito profunda e as suturas em borboleta não são suficientes, deve suturar-se a ferida. Quando uma ferida é fechada, não devem existir bolsas de ar ou sangue debaixi da pele (A). É necessário um instrumento para segurar a agulha (um fórceps com um encaixe para agulhas) e material de sutura.
Suturar é simplesmente coser. Quando se estiver a coser cada um dos pontos deve-se ir até ao fundo da ferida (B) para evitar o aparecimento de bolsas (C) e para apanhar quantidades iguais de tecido de cada um dos lados da ferida de modo a alinhar os bordos desta (D). Para uma sutura mais segura, atam-se com um nó torto. Dá-se  uma laçada sobre o instrumento que segura a agulha (A), agarra-se o extremo através da laçada (B), aperta-se (C), dá-se uma volta em torno do instrumento que segura a agulha no sentido oposto (D), agarra-se o extremo através da laçada (E) e aperta-se bem (F). deixa-se que os pontos se mantenham por um período de 10 dias e então removem-se com o auxilio de uma tesoura de pontas finas. Agarra-se o nó  com o fórceps e as pinças e puxa-se o ponto com um puxão firme.







Não será necessário relembrar que qualquer uma destas situações acarrecta vários riscos e algum sangue frio. Portanto não se esqueçam de frequentar um curso de primeiros socorros antes de colocar em práctica qualquer um destes métodos.





Boas caminhadas…

Sem comentários:

Enviar um comentário

comentários