Em 1902, Edward Wilson, um
explorador polar, escreveu o seguinte à sua esposa, “Deus sabe que por vezes
estou no limite do que posso suportar, e não existe absolutamente nenhuma
escapatória. Eu nunca submeti o meu templo a provas como as que agora suporto
um dia atrás do outro.”
Não é necessário passar um inverno inteiro na Antártida para partilhar
algumas das frustrações e desconforto, que Wilson retratou à sua esposa. Todas
as expedições são ricas em tensões e inevitavelmente causam dificuldades
psicológicas que podem representar um dos muitos factores no surgimento de problemas,
físicos que surgem inevitavelmente.
Neste artigo vamos abordar alguns passos necessários na fase de
planificação que contribuem para a redução dos problemas psicológicos e também
abordaremos as dificuldades mais frequentes que podem ocorrer naquelas
situações e a melhor maneira de as enfrentar.
Fase de planificação
Para planificar uma grande expedição, é necessário começar essa tarefa
cerca de um ano antes de a mesma acontecer. Uma vez determinados os objectivos
da expedição, é necessário eleger um chefe definitivo. Preferencialmente, o
chefe deve ter experiência como guia de
expedições com características similares à que se vai realizar.
Sabemos que nem sempre isto é possível. O entusiasmo, a maturidade e o
trabalho árduo, compensarão a falta de experiência, mas é fundamental ter bem
cientes as responsabilidades que implica esta liderança. Existem diferentes
tipos de liderança. Os bons chefes sabem compreender as suas próprias forças e
fraquezas e não tentam imitar ninguém. A falta de confiança em si próprio
costuma originar um autoritarismo excessivo e por conseguinte, ressentimentos
por parte dos demais expedicionários.
Os chefes que têm confiança em si próprios, são capazes de aceitar que
nem sempre têm razão e escutam atentamente as opiniões dos demais companheiros
de expedição, mas, ao mesmo tempo, sabem tomar decisões quando estas são
necessárias, ainda que não sejam aceites por todos. Qualquer chefe de
expedições deveria ler uma grande quantidade de livros sobre expedições para melhor
compreender as tensões que podem ocorrer nestas. É, ainda recomendado ao chefe,
estudar previamente, alguma matéria acerca de competências de gestão, antes da
partida para a expedição.
O chefe de qualquer expedição, por mais pequena que seja, deve estar
consciente de que durante semanas ou meses, a sua vida estará dominada pela
expedição, e que a sua preocupação pode ser uma carga para as pessoas que o
rodeiam na sua vida do dia-a-dia.
Selecção da equipa adequada
Este é o factor mais importante para determinar o posterior êxito ou
fracasso de uma expedição. O chefe deve actuar com firmemente na selecção dos
membros constituintes do grupo da expedição. Uma entrevista formal com o chefe
contribui para deixar clara a sua autoridade desde o início. Não existem regras
simples para escolher a equipa correcta para a expedição.
Não se deve ignorar o instinto, pois por vezes este acerta. No
entanto, é conveniente manter presentes alguns princípios:
. Antecedentes. A conduta da pessoa no passado, prediz a conducta no
futuro. Portanto, deve-se dar mais importância ao que uma pessoa fez, do que ao
que ela diz que vai fazer. È preciso levar em conta a experiência prévia do
potencial candidato em expedições ou noutras actividades relacionadas. Convém
pedir e colher referências, e, se possível, conversar com as pessoas que as
possam dar, pois podem contar pormenores que não colocaram no papel.
. Motivação. O entusiasmo deve ser uma característica fundamental em
qualquer candidato. Interessam as pessoas que têm entusiasmo pela vida em geral
e não apenas pela expedição em concreto. Deve-se conversar com cada aspirante
tentando perceber porque deseja participar na expedição e o que espera dela, o
que acha que será mais difícil durante a mesma e o que fará se não for
selecionado. Muitos candidatos podem ter razões negativas para escapar da sua
vida normal, como por exemplo, deixar um trabalho entediante ou superar a perda
de um ente querido. Estas razões não são contraindicações em absoluto, para que
alguém seja selecionado, mas têm que ser
analisadas e conversadas com franqueza.
. Personalidade. Se existisse alguém de quem se pudesse dizer que é
uma pessoa normal, com certeza que não participaria na expedição. Pelo mesmo
motivo, não existe o expedicionário perfeito. As melhores expedições são aquelas
em que existe uma mistura de caracteres. Deve-se selecionar pessoas que tenham
formas de pensar abertas e amigáveis e que sejam sensíveis aos demais elementos
do grupo. A auto-confiança em si mesma é outra característica fundamental,
juntamente com a capacidade de admitir as falhas e as fraquezas com um sorriso.
Mais do que por um psicólogo qualificado, o perfil psicológico dos
expedicionários deve ser avaliado pelo chefe da expedição e pelos demais
organizadores desta, com senso comum e compreensão da natureza humana. O que
faz falta é um bom equilíbrio psicológico no seio do grupo.
. Saúde mental. Por último é fundamental dar importância aos problemas
de saúde mental. Em caso de dúvida não se deve hesitar em pedir um atestado
médico ou consultar o médico de família do candidato (com autorização escrita deste).
Uma expedição não é um local ideal para um portador de doença mental.
Uma vez feita a selecção final, é conveniente que todos os elementos
que vão participar na expedição passem no mínimo um fim-de-semana juntos antes
de partirem para a expedição. Isto permitirá iniciar a construção do grupo, o que
é fundamental para a expedição.
A selecção do pessoal é apenas um aspecto do conjunto da planificação,
ainda que seja um aspecto muito importante. Assim, também é necessário dar
atenção a todos os outros aspectos. De forma a minimizar conflitos e
ressentimentos, é necessário assegurar que todos os expedicionários possuem
equipamento adequado e alimentos de boa qualidade, que sempre são um bom
reforço para a moral. No entanto, mesmo
os planos mais bem feitos podem ter que ser mudados no último momento, pelo que
é necessário manter uma certa flexibilidade para o imprevisto.
Esperamos ter ido de encontro às vossas pretensões. Na próxima semana
continuaremos com este tema, que consideramos da maior importância. Até lá…
Boas caminhadas
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