Uma vez que estamos a ultrapassar uma vaga de frio, achamos
conveniente abordar o tema do frio e da hipotermia em montanha, porque sabemos
que para os amantes da montanha nem o frio é um factor de desmotivação. No
entanto é conveniente ter alguns conhecimentos sobre o assunto antes de
iniciarmos uma incursão na montanha nestas condições, motivo pelo qual
redigimos este artigo.
Frio
Regulação térmica
A temperatura do corpo humano é normalmente de 37ºC. O corpo humano
nu, apenas pode manter esta temperatura constante se a temperatura ambiente
estiver acima dos 28ºC. Abaixo desta
temperatura, o corpo fica dependente da roupa e dos refúgios, para assim nos
abrigarmos do ambiente e reduzirmos a perda de calor. A hipotermia já poderá
representar um risco quando a temperatura ambiente estiver abaixo dos 15,5ºC.
Em repouso, o corpo humano produz entre 40 e 60 kcal de calor por m2
de superfície corporal. O movimento e as tremuras podem aumentar a produção de
calor entre 2 e 5 vezes em relação a esses valores.
Mecanismos da perda de calor
O calor pode perder-se através de vários mecanismos:
. Radiação: o calor perde-se por transferência directa para o
ambiente. A perda de calor por radiação depende da totalidade de superfície
corporal exposta e da diferença de temperatura entre o corpo e o ambiente
envolvente. Quanto mais frio for o ambiente e mais superfície corporal estiver
exposta, mais calor se perde. Em ambiente seco, a radiação é a causa mais
importante de perda de calor (55% - 65% de perda de calor). Cerca de 30% da
perda de calor ocorre pela cabeça e pelo pescoço. A roupa faz com que o calor
não se perca tão rapidamente. Em caso de emergência pode ser útil envolver o
corpo com folhas de papel de jornal (o ideal será entre 14 e 15 folhas).
. Convecção: o ar em contacto com a pele aquece-se até alcançar
a temperatura desta. Quando o ar quente se movimenta, chega no seu lugar ar
frio que por sua vez, também se deve aquecer. Como o calor necessário para
aquecer o ar é proveniente da pele, o corpo vai perdendo calor. As maiores
perdas de calor por convecção têm lugar quando o ar está em movimento (vento).
O calor corporal perde-se quando os espaços que aprisionam o ar dentro
da roupa são submetidos ao efeito do vento. O ar acumulado nos tecidos e nos
espaços existentes entre as diferentes camadas de tecido armazenam o calor
produzido pelo corpo. O vento substitui este ar quente por ar frio. O vento é o
responsável de aproximadamente 10% da perda de calor. Quando a temperatura do
ar é superior à temperatura corporal, o corpo ganha calor. A quantidade de
calor subtraída pelo vento aumenta de forma proporcional ao quadrado da
velocidade e não em proporção directa a esta. A perda de calor por convecção
pode-se reduzir com uma camada exterior que não permita que o vento passe para
o seu interior. Os ventos com velocidade superior a 64 km/h apenas produzem um
pequeno efeito adicional.
A -30ºC, as partes do corpo expostas ao vento podem congelar num
minuto e a -60ºC, em apenas 30 segundos.
Segundo Danielsson, qualquer que seja a velocidade do vento, o risco
de congelação é pequeno se a temperatura ambiental for superior a -10ºC, e alto
se for inferior a -25ºC.
A velocidade do vento pode ser estimada por uma série de sinais:
. 16 km/h: sente-se o vento na cara.
. 32 km/h: movem-se as ramas pequenas das árvores e levanta-se a neve
em pó.
. 48 km/h: movem-se as ramas grandes das árvores.
. 64 km/h: move-se toda a árvore.
. Conducção: o calor corporal perde-se pelo contacto com algo
frio, como a água, o metal, etc. A imersão em água fria pode aumentar a perda
de calor por conducção cerca de 25 a 32 vezes em comparação com o ar, e o aço
ainda o aumenta mais. Geralmente a perda de calor por condutividade corresponde
a aproximadamente 2% da perda total de calor, mas com roupa húmida, esta perda
pode-se multiplicar por 5. O facto de dormir no solo sem um isolamento
adequado, aumenta a perda de calor por condução. As esteiras de espuma oferecem
um isolamento maior do que as colchonetes de ar, pois estas permitem a livre
circulação do ar.
. Evaporação: é a transformação da água da sua forma líquida
para a sua forma gasosa (vapor). Quando a água se evapora, leva o calor com
ela. A evaporação é responsável por 30% da perda de calor.
A evaporação da água do corpo pode ocorrer através do ar exalado (que
contém água), ou através da pele (transpiração). A transpiração pode ser
sensível, quando nos apercebemos dela (sudoração), ou insensível, quando ocorre
sem nos apercebamos (perspiração insensível).
- Sudoração: o corpo sua para eliminar o excesso de calor. O
calor corporal perde-se pela evaporação da humidade da superfície da pele, por
isso mesmo é importante que a roupa não fique húmida de suor. A roupa húmida
pode originar perda de calor por evaporação, condução, convecção e radiação.
Por este motivo é melhor vestirmo-nos por camadas, deste modo podemos
agasalhar-nos e desagasalharmo-nos com maior facilidade, dependendo das
necessidades.
- Perspiração insensível: o corpo também transpira para manter
um nível de humidade de 70% próximo da pele, num ambiente frio e seco, e isto
pode originar uma importante perda de calor.
- Respiração: quando se respira o ar frio e seco, este aquece e
humidifica através da humidade que se evapora pelas vias aéreas, o que origina
uma perda de calor por evaporação.
Mecanismos de adaptação às
mudanças de temperatura
. Vasodilatação: A dilatação dos vasos sanguíneos aumenta a
perda de calor quando a temperatura ambiental é inferior à temperatura
corporal. A máxima vasodilatação pode aumentar o fluxo sanguíneo cutâneo até
3.000 ml/min. (normalmente está situado entre os 300 e 500 ml/min.).
. Vasoconstrição: o estreitamento dos vasos sanguíneos diminui
a perda de calor. A máxima vasoconstrição pode diminuir o fluxo sanguíneo até
30 ml/min.
. Vasodilatação induzida pelo frio: quando as mãos ou os pés
arrefecem a 15ºC surge a máxima vasoconstrição e, portanto, o fluxo sanguíneo
que chega a estas extremidades é reduzido ao mínimo, arrefecendo-as. Se
continuar a arrefecer até aos 10ºC, a vasoconstrição interrompe-se intercalada por
períodos de 5 a 10 minutos de vasodilatação, o que aumenta o fluxo sanguíneo e assim,
o calor que chega às extremidades. A exposição repetida à água fria (por
exemplo umas quinze vezes), pode aumentar esta resposta e oferecer um certo
grau de aclimatação.
. Sudoração: a evaporação do suor arrefece o corpo.
. Tremuras: geram calor através do aumento das reacções
químicas requeridas pela actividade muscular. As tremuras podem aumentar a
produção de calor em cerca de 500%. Este mecanismo está limitado a poucas horas
devido ao esgotamento da glucose muscular consumida ao produzir a contracção do
músculo que treme, com o consequente aparecimento de fadiga.
. Aumento ou diminuição da actividade física: pode aumentar ou
diminuir a temperatura.
. Respostas comportamentais: o nosso cérebro estimula-nos a
colocar ou retirar roupa.
Contamos ter enriquecido algum conhecimento sobre o tema abordado, de
forma que vão para a montanha devidamente preparados para o pior. No próximo artigo completaremos este tema abordando a hipotermia. Até lá...
Boas caminhadas
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