A congelação e a hipotermia estão
intimamente relacionados. Uma das reacções mais imediatas do corpo perante um
resfriamento grave é a redução da circulação sanguínea nas extremidades para
conservar o calor do centro do corpo. Diminui a quantidade de sangue que chega
aos dedos dos pés e das mãos e a outras extremidades, abrindo-se desta forma,
caminho para a congelação. Os problemas de congelação aparecem quando as
temperaturas são anormalmente baixas, quando alguém se molha, ou se vê obrigado
a bivacar estando muito mau tempo.
Os danos da congelação ocorrem
por consequência dos tecidos que gelam e que geralmente afecta as mãos, os pés,
a cara e poucas vezes outras partes do corpo. Pode-se evitar tendo suficiente
cuidado. Além de mantermos o calor geral do corpo, é preciso prestar atenção ao
estado das mãos e dos pés. Deve-se evitar ter as roupas muito ajustadas e os cordões das botas muito apertados,
porque entorpece a circulação sanguínea. Outro factor que pode contribuir é
levar as correias dos ombros da mochila muito ajustados. Se desaparecer
rapidamente a dor provocada pelo frio nas mãos e nos pés, será necessário
ocuparmo-nos deles imediatamente. O melhor que se pode fazer é aquecê-los,
ainda que seja necessário tirar as polainas, as botas e as meias. Se
desprezarmos estes avisos, pode ter início um longo e dolorosos processo de
congelação, com a probabilidade de morte dos tecidos, e seja necessário amputar
algum membro.
É melhor prevenir do que curar.
Se realmente tem início a congelação, a parte afectada fica branca e
sentir-se-á como uma pedra fria. Se continuar a congelação, esta parte ficará
insensível e dará a impressão de estar mais quente. Esta impressão de calor é
uma ilusão e indica um perigoso grau de congelação, em que já é inevitável que
se deteriorem os tecidos. Se houver alguma possibilidade, deve-se prestar auxilio
médico à vitima. Se forem os pés a ficarem congelados, deve-se transportar a
vítima numa maca. Não se pode esperar que uma pessoa que tenha os pés
congelados, consiga caminhar. Ainda que seja possível andar com os pés
congelados, é impossível fazê-lo quando voltam a aquecer porque a dor é muito
intensa. Em nenhuma circunstância se deve esfregar a parte afectada com neve,
porque o único que se conseguirá será agravar os danos. A parte gelada deve
descongelar toda de uma só vez, e de
preferência com supervisão médica. Deve-se aquecer água, até que fique morna, a
uns 40ºC. Se não tivermos um termómetro, experimentamos a água submergindo
nesta o nosso cotovelo. Deve produzir a sensação de estar agradavelmente
temperada. Mantem-se a água a esta temperatura e introduz-se nesta a parte
afectada durante 20 a 30 minutos. Não devemos ceder à sensação de massagear,
rebentar as bolhas que se possam ter produzido ou mover o membro afectado. Tão
rápido quanto seja possível, deve-se transportar a vítima a um hospital,
procurando ter a parte afectada bem protegida.
Após esta breve introdução sobre
as congelações, vamos abordar o tema um pouco mais aprofundado, de forma que se
consiga transmitir da melhor maneira, o que é, como prevenir e como tratar de
um congelamento.
Conceito de congelação:
São lesões frequentemente localizadas em pés,
mãos e cara (nariz e orelhas), devido à exposição a temperaturas muito abaixo
dos 0ºC e geralmente abaixo dos -10ºC. As congelações na montanha costumam
estar associadas ao resfriamento dos tecidos corporais com hipoxia e
desidratação.
Epidemiologia:
No nosso meio, e tendo em conta
somente as congelações produzidas durante a prática desportiva, cerca de 52%
correspondem ao alpinismo, cerca de 44% ao esqui e apenas 4% ao voo livre (asa
delta e parapente). Aproximadamente 87% dos congelados são do sexo masculino e
as idades médias rondam os 27 anos.
Ao resfriarem os tecidos, a água
das células transforma-se em cristais de gelo e ao perder o seu estado líquido,
a célula desidrata e produz-se a morte celular. Os cristais são cortantes e
podem lesar os tecidos. Por outro lado, os vasos sanguíneos estreitam-se
(vasoconstrição), o que provoca a formação de trombos no sangue e que as
plaquetas se unam, o que produz a libertação de substâncias produtoras de
inflamações (prostaglandina F2, tromboxano A2 e radicais oxidantes).
A vasoconstrição também é
responsável pelo facto de chegar menos sangue aos tecidos, e portanto, menos
oxigénio (hipoxia), o que faz com que as células dos próprios vasos sanguíneos
(endotélio) também fiquem afectadas, agravando a trombose vascular e tornando o
sangue mais viscoso. Esta má circulação provoca
no sangue uma maior acidez, a qual também é prejudicial para os tecidos.
Sintomas e sinais
O primeiro sinal de alarme é a
sensação de entorpecimento e desajeitamento das extremidades, com perda de
sensibilidade. Depois do reaquecimento, pode originar dor, que pode persistir durante
dias ou semanas. Além disso, também pode permanecer uma perda de sensibilidade,
maior sensibilidade ao frio e hiperidrose (sudorese mais abundante), que pode persistir durante
anos.
Na exploração inicial, muitas
lesões são parecidas, mas depois do reaquecimento, as congelações
classificam-se nos seguintes graus:
. Superficiais
- Primeiro grau: a pele encontra-se avermelhada e inchada, mas sem
bolhas.
- Segundo grau: a pele apresenta bolhas claras ou leitosas, não
sangrantes que podem aparecer em 24 horas contendo o medidor inflamatório
tromboxano A2. Esta situação diminui a sensibilidade.
. Profundas
- Terceiro grau: a pele apresenta cianose (pele azulada)
frequente, com bolhas hemorrágicas que se transformam em escaras negras num
período de duas semanas.
- Quarto grau: ausência de flictenas (bolhas), tecido frio e
morto (necrose), perda de tecido, e pulso fraco.
A necessidade de amputação está
mais correlacionada com a duração da exposição ao frio, do que com a
temperatura. Se a circulação está parada durante mais de 6 horas, a lesão dos tecidos
será permanente, se estiver durante mais de 24 horas, pode perder a extremidade
afectada. Além da exposição prolongada, a lesão dos tecidos será pior se o
resfriamento e o reaquecimento forem lentos.
Fisiopatologia
Factores predisponentes
. Equipamento inadequado.
. Álcool.
. Tabaco.
. Fadiga.
. Congelações prévias.
. Feridas infectadas.
. Diabetes.
Factores protectores
. Equipamento adequado.
. Aclimatação.
. Boa condição física.
. Boa hidratação.
Factores prognósticos
Na exploração inicial, as
conclusões relacionadas com o melhor prognóstico são:
. Sensação de ter agulhas afiadas
a entrar na carne.
. Pele elástica à pressão.
. Cor normal.
. Bolhas grandes com líquido
claro.
As conclusões relacionadas com
pior prognóstico são:
. Pequenas vesículas escuras.
. Líquido hemorrágico.
. Cianose (pele azulada).
. Pele que não é elástica à
pressão e que parece ferida.
Não existem técnicas diagnósticas
que ajudem a conhecer com certezas o estado de vascularização durante os
primeiros 3-5 dias posteriores ao reaquecimento. Algumas explorações
radiológicas com contraste, realizadas nos departamentos de medicina nuclear (escintigrafia com tecnécio 99)
encontram uma boa correlação entre a vascularização após 48 horas da lesão com
o tecido que ficará viável na lesão definitiva. A exploração radiológica com
contraste das artérias (arteriografia) não mostra bem a microcirculação. Após
2-3 semanas, o eco-doppler (exploração com ultrassons), a arteriografia e a
escintigrafia podem ajudar a demarcar as áreas viáveis e não viáveis.
Prevenção
À semelhança da hipotermia,
nestes casos, também o melhor tratamento
é a prevenção. Os factores que favorecem a congelação, e que portanto se devem
evitar, são: a humidade, o vento, a altitude, a fadiga, o tabaco e o álcool.
Os elementos que se devem levar
em conta são o equipamento, o equilíbrio nutricional, a hidratação e a
aclimatação à altitude. Convém saber que as manápulas agasalham mais do que as
luvas e que a roupa apertada impede a circulação sanguínea.
Para aquecer as mãos, podem-se
efectuar movimentos circulares com os braços bem esticados e com os dedos
estendidos, fazendo grandes círculos com
a finalidade de que a força centrífuga faça chegar mais sangue quente aos
dedos.
Para aquecer os pés, pode-se
saltar ou correr no mesmo lugar.
As partículas de hidróxido de
alumínio que se utilizam como antitranspirantes, podem ser utilizadas para
manter os pés secos.
Tratamento
. Enfrentar a hipotermia. A hipotermia deve ser tratada sempre, antes do
que qualquer parte congelada.
. Tomar analgésicos antes de
fazer qualquer outra coisa. A congelação é uma afecção extremamente dolorosa.
Inclusivé enquanto está a ser tratada, a congelação provavelmente castigará a
sua vítima. Tomar analgésicos é uma das formas de aliviar, pelo menos
temporariamente, a dor.
. Identificar os sinais de
congelamento. As áreas congeladas normalmente estão brilhantes e com uma
desagradável cor branca. A sensação nas mãos é muito escassa ou inexistente e é
provável que tenha alguma dor. Também se verifica que a pele não branqueia
quando se faz pressão sobre ela. Os primeiros sintomas de congelamento são as
picadelas e a sensação de ser picado com agulhas, acompanhado de entorpecimento.
. Encontrar um lugar abrigado
para começar a tratar o congelamento. Se
existir a possibilidade de a área afectada voltar a congelar, não se deve
descongelar. O facto de congelar, aquecer e voltar a congelar alguma parte do corpo,
acarretará um dano permanente nas partes afectadas. Deve-se aquecer o corpo
inteiro, envolvendo a vítima e as partes do corpo afectadas devem ser
protegidas com mantas.
. Retirar qualquer roupa ou
objecto molhados e trocar por roupas secas e confortáveis. Se existe ajuda médica profissional
disponível, deve-se envolver as áreas afectadas e manter a vítima aquecida. Não
se deve esfregar nenhuma parte afectada, pois isso pode produzir um dano
adicional. Esperar pela ajuda.
. Submergir as áreas afectadas em água morna. (37,7 a 40,50ºC; 100 a 105 Fº). Nunca usar
água quente acima dos 42,2ºC ou 108 Fº sob risco de danificar ainda mais os
tecidos. Alternativamente, se não houver água disponível, deve-se pressionar a
área afectada com algo quente, como as mãos de outra pessoa, a axila ou entre
as pernas, por períodos de 30 minutos. Este processo deve-se manter até que a
pele esteja suave e a sensibilidade retorne. Não se deve utilizar calor seco
como o fogo ou aquecedores eléctricos. Deve-se averiguar a temperatura da água,
pois como as áreas afectadas não têm sensibilidade não se apercebe se está
muito quente e poderá provocar queimaduras por calor o que piora a lesão.
. Tomar algo para reduzir a dor,
como aspirina ou ibuprofeno. À medida
que as áreas afectadas vão aquecendo, aparecem fortes dores e a sensação de
queimaduras sobre a pele, a pele mudará de cor e é possível que se formem
bolhas. Não se devem furar as bolhas.
. Cobrir as áreas afectadas com
gaze esterilizada e mantê-las tão imóveis quanto seja possível: Deve-se
envolver cada dedo individualmente, usando bolas de algodão ou outro espaçador,
para evitar que os dedos se toquem.
. Procurar ajuda especializada.
Seguidamente falaremos do tratamento
efectuado pelas equipas de resgate especializadas.
O tratamento curativo
baseia-se em:
. Reaquecer para deter a formação
de cristais de gelo nos tecidos.
. Reverter a vasoconstrição para
melhorar a circulação sanguínea e deste modo limitar o défice local de oxigénio nos tecidos.
. Administrar fármacos para bloquear
os mediadores químicos da inflamação.
Para o tratamento,
recomendam-se as seguintes medidas:
. Avaliar se existem também
hipotermia e outras lesões ou problemas.
. Se estiver com as roupas
húmidas, tentar vestir roupas secas.
. Providenciar o transporte para
o hospital.
. Apenas tentar aquecer se o
tempo para chegar ao hospital for superior a duas horas e se possa garantir que
não voltará a congelar, pois essa situação pode provocar uma lesão maior nos tecidos
do que o facto de prolongar um pouco mais a congelação.
. Pensar que se retirar as botas,
talvez o edema (inchaço) não permita voltar a calça-las.
. Não fazer massagem com neve nem
com as mãos ou as luvas, para não originar microlesões.
. Não aquecer brutalmente com uma
chama ou calor seco, pois podem-se provocar lesões cutâneas.
. Reidratar com bebidas quentes
e açucaradas.
. Não fumar nem beber álcool.
. Aquecer rapidamente com água a
40-42ºC durante 15 a 30 minutos, ou até que a pele adquira a sua cor rosada e
textura elástica.
. Desbridar (procedimento cirúrgico que corresponde ao acto de seccionar os tecidos para ampliar uma ferida, ressecando tecidos inviáveis, necrosados) as bolhas com líquido
claro, pois contém o mediador inflamatório tromboxano A2 que pode agravar a
lesão e de seguida aplicar uma pomada de aloe vera que tenha uma concentração
mínima de 70% e não contenha álcool ou perfume, pois minimiza a síntese de
tromboxano A2. Proteger com um curativo e repetir a cada 6 horas. Aplicar
também aloe vera nas bolhas hemorrágicas sem as desbridar, pois aumentaria o
risco de infecção.
. Elevar a extremidade.
. Administrar ibuprofeno em doses
de 400 a 600 mg a cada 12 horas para minimizar a lesão inflamatória. É
preferível em vez do ácido acetilsalicílico, pois este último também inibe a
síntese de prostaglandinas necessárias para a integridade e normal
funcionamento celular.
. Administrar toxoide
antitetânico e imunoglobulina antitetânica, se passaram 10 anos desde a última
vacinação.
. Administrar penicilina
intravenosa 500.000 UI a cada 6 horas, durante 72 horas, para evitar a infecção
da pele macerada.
. Controlar a dor com mórficos se
for necessário.
. Aplicar banhos diários de água
a 40ºC com hexaclorofeno, durante 30-60 minutos.
. Proibir o tabaco e o álcool.
. Iniciar reabilitação enquanto o
edema (inchaço) seja resolvido.
. Se a circulação estiver
comprometida, efectuam-se escaratomias ou fasciotomias.
. A decisão de fazer amputações
não se toma até aos 22-45 dias, quando a demarcação entre tecido viável e não
viável já é evidente.
. Alimentação hiperproteica
hipercalórica.
. Movimentação precoce da parte
afectada.
. Proteger com algodão os espaços
interdigitais, para prevenir a maceração dos tecidos.
Existe uma série de fármacos em
fase experimental, dos quais ainda não se dispõe da evidência inequivocamente
suficiente da sua utilidade: heparina, cumarina, corticoesteróides, dextrano de
baixo peso molecular, vitamina C, estreptokinasa, urokinasa, oxigénio
hiperbárico, activador tisular do plasminogénio, análogos da prostaglandina El,
nifedipina, pentoxifilina, superóxido dismutasa, reserpina intraarterial,
simpatectomia.
Evolução
A evolução das congelações
costuma ser a seguinte:
. Congelações superficiais de
primeiro grau: cicatrização em 3-4 dias sem sequelas.
. Congelações superficiais de
segundo grau: cicatrização em 10-15 dias com poucas sequelas.
. Congelações profundas de
terceiro grau: cicatrização em 21 dias com sequelas.
. Congelações profundas de quarto
grau: amputação às 2-3 semanas.
Com esta 3ª parte do tema da
temperatura, terminamos a matéria relativa ao assunto. O nosso objectivo principal,
é no contexto de sensibilizar os
praticantes de montanhismo a avaliar os sinais e sintomas que o nosso corpo nos
proporciona, para desta forma o podermos proteger. Quando o nosso corpo nos dá
um alerta não o devemos desprezar, ele pede-nos ajuda e a nossa obrigação é
proporcionar-lhe essa ajuda, pois desta forma estamo-nos a auxiliar a nós
próprios. O nosso corpo é o nosso melhor amigo em situações extremas, portanto
tratem bem dele e escutem o que eles vos diz.
Não esqueçam nunca, que a melhor
prevenção é o melhor tratamento.
Boas caminhadas
Pah excelente artigo com linguagem clara, objectiva e explicita. keep going vemos nos no Liffey
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