23 maio 2012

Montanhismo em Terras Virgens



 
 
Esperemos que em muitas das nossas incursões na montanha, o Sol nos sorria e que a bússola possa ficar guardada num bolso da mochila. Mesmo quando nos aventuramos por terrenos desconhecidos, pelas "Terras Virgens", será suficiente dar uma olhadela ao mapa de vez em quando para nos orientarmos e prosseguir avançando na caminhada. No entanto quando por qualquer motivo a visibilidade fica reduzida, quando a neve começa a caír à nossa volta e os dedos começam a gelar e a perder mobilidade, teremos que recorrer à velha mestra da vida, a experiência.

 
Os montanheiros que tenham praticado as diferentes técnicas de orientação poderão sempre manter o sangue-frio e desenrascar-se, por seu lado, os que decidirem esperar que as condições adversas os forcem a actuar, acabarão por considerar difíceis e penosas, até as operações mais fáceis. Existe uma vasta variedade de situações que podem apanhar desprevenidos estes "despreocupados", podendo as respectivas consequências revelar-se trágicas.
É necessário praticar nos dias bons para estarmos preparados para os dias maus.

 
 Experimenta-se uma maravilhosa sensação de êxito quando conseguimos fazer frente às dificuldades quando está mau tempo, e uma enorme satisfação ao saber que realmente podemos penetrar nesse mundo hostil de vento e neve e enfrentá-lo com sucesso no seu próprio terreno.

 
Chegará o dia em que o montanheiro acabará por sentir a necessidade de enfrentar algo mais que uns trilhos planos e por rotas fáceis. Os altos cumes exercem um magnetismo que atrai a maioria dos amantes da vida ao ar livre. Um impulso cego de subir mais alto, uma força que o grande George Mallory, o montanheiro britânico que fez várias tentativas para escalar o Everest nos anos vinte (onde veio a falecer em uma tentativa mais), explicou a sua obsessão de o subir com estas simples mas eloquentes palavras: “simplesmente porque estava lá”.

 
No entanto, ao cobrir uma distância fácil do ponto A ao ponto B, deparamos muitas vezes com obstáculos que poem à prova a nossa destreza e a nossa força. Os elementos básicos da marcha e de acampamento aprendem-se na segurança dos trilhos bem traçados, com os quais muitos montanheiros normalmente se conformam. Para muitos, o montanhismo é uma terapia e não uma prova, e as emoções e perigos da grande aventura estão reservados para o paraquedismo, a asa delta, a escalada ou a descida de águas bravas em canoa. Outros por seu lado, sentem o chamamento do desconhecido tão forte,  que não o conseguem ignorar e vão sempre para cima, sempre mais alto, ainda que seja com a mundana desculpa de conseguir uma boa vista.

 
Outros consideram triviais os montes que têm próximos e procuram horizontes longínquos, fora do alcance da civilização, onde efectivamente os elementos têm todos os trunfos na mão e onde o esforço pessoal é o único que nos pode ajudar se as coisas correrem mal.

 
O meio termo entre o mundo de quem procura caminhos fáceis e o do aventureiro que emerge rumo ao desconhecido é o tema das linhas seguintes. É sabido que nem todas as pessoas gostam dos terrenos mais agreste e que submeter alguém ao temor natural que produzem lugares como estreitas cornijas, rios profundos, o cimo de uma montanha, ou uma escarpa nevada podem abalar os alicerces do seu já precário amor pela natureza.

 
Felizmente, todos somos diferentes e o que para uns é gloriosa aventura, para outros pode ser uma experiência dolorosa. A autêntica prova consiste em examinar cuidadosamente cada situação e dizer, com toda a franqueza, "isto não é para mim". As estatísticas de resgates de montanha estão cheias de gente que se sobrevalorizou, pessoas que não mediram a situação à luz da sua própria experiência e atribuições. Se tivermos falta de experiência e de conhecimentos necessários para saber o que podemos ou não fazer, o melhor será não tentar uma determinada aventura, até que possamos ir com um companheiro com experiência. Inclusivé, ainda assim, provavelmente não nos vamos divertir, mas pelo menos da próxima vez que nos deparemos com uma situação semelhante, saberemos a resposta sem "morrermos" de medo.
 
O andamento em terrenos escarpados

Lançar-se pelas montanhas, da mesma forma que por caminhos planos, requere uma passada rítmada e, na medida do possível, continuada. Se pretendermos ir mais ligeiros, calmamente alarga-se a passada, e devemos agir de modo inverso se pretendemos ir mais devagar. Em terrenos inclinados, a técnica é a mesma. Conforme aumenta a pendente do terreno deve-se encurtar a passada, de forma que se possa avançar relaxadamente e a uma velocidade constante. Temos que utilizar a visão, olhar para a frente e pensar com antecipação, de outro modo teremos que parar após cada passada para planear a seguinte, num processo que nos torna lentos, em que se dificulta o nosso avanço e reduz a velocidade, inclusive para niveis que podem revelar-se perigosos. Deve-se ir olhando para a frente e procurando a via de mais fácil acesso, evitando esse abrupto risco que está no cimo de uma escarpa que não será um bom caminho para atingir o cume.
Conforme vamos caminhando é necessário ir inspecionando o terreno que se nos depara uma dezena de metros à nossa frente, de modo a ir encontrando sítios onde colocar os pés e, depois de os alcançar, deve-se examinar novamente o solo que temos próximo para dar os próximos passos.


 Parece complicado, mas na prática, e depois  de se praticar durante algum tempo, auscultar o terreno para facilitar os movimentos fará parte da rotina e a nossa progressão será quase tão rápida como em terreno plano. Devemos resistir à tentação de fincar as botas na vertente, e procurar flexionar os tornozelos de forma que possamos colocar toda a planta do pé sobre o solo, apoiando sobre ele até estender por completo o joelho. Com a prática, e conforme os músculos se vão fortalecendo, seremos capazes de subir ladeiras muito empinadas apoiando-nos somente na biqueira das botas, como se subíssemos um glaciar pisando somente com a parte dianteira dos crampons.

Se o solo se inclina de tal forma que subir se torna esgotante, deverá subir-se em zigue-zague pela pendente, procurando com antecipação o sítio onde colocar o pé e apoiando-o sempre paralelo ao solo, para assim conseguir a maior tracção possível. Para descer por pendentes abruptas, utiliza-se a mesma técnica. Ou seja, deve andar-se com passadas curtas e mantendo um ritmo constante, flexionando os tornozelos e pisando o solo com toda a planta do pé. Se a pendente se inclina ainda mais, devemos ziguezaguear, imaginando que as pernas são molas gigantes que actuam como amortecedores.

 
Não há necessidade de se inclinar muito para a frente, porque se tropeçamos acabaríamos com as pernas para cima, mas ao mesmo tempo também não devemos inclinar-nos demasiado para trás porque teríamos imensas possibilidades de escorregar. Nas pendentes pedregosas ou cascalheiras, não devemos ceder à tentação de afundar os tornozelos nos seixos e descer correndo com grandes saltos. É divertido, mas apenas se pode fazer quando se vir o fundo da pendente e quando as pedras sejam tão pequenas que rodem connosco.

 
No entanto convém saber que descer correndo por uma cascalheira é uma prática ecologicamente prejudicial e que muitas das pendentes erodidas de zonas montanhosas são o testamento de gerações de corredores que gradualmente foram arrastando consigo toda a cascalheira até ao fundo da montanha.

Em qualquer pendente onde existam pedras soltas, grandes ou pequenas, é um bom costume garantir que nenhum membro do grupo esteja imediatamente abaixo ou acima de nós. Uma pedra que saia rodando poderia acabar na cabeça de algum de nós, assim se acontecer soltarmos uma pedra acidentalmente e se esta começar a rolar pela pendente, devemos gritar o mais alto que pudermos  “pedra”, ainda que no momento não se veja ninguém abaixo. Para subir ou descer esta classe de pendentes o grupo separa-se lateralmente, seguindo um membro ao lado do outro ou em ponta de flecha.

 
Se o caminho for demasiado estreito, como no caso de um barranco, deve passar um de cada vez de forma que enquanto um avança os outros esperam em local seguro.

Trepar

A trepada é uma actividade reservada para montanheiros experientes, e encontra-se a um passo da escalada. Basta carregar uma mochila com algum peso para que o que poderia ser uma subida fácil se converta numa dura prova. Deve-se estudar minuciosamente a partir do respectivo sopé, a via a empreender. Se não tivermos experiência a trepar, será aconselhável esperar até adquirir alguma experiência e prática em terrenos menos fáceis, com e sem mochila.
Dito isto , convém advertir que superar,  trepando, uma zona escarpada, pode ser o ponto alto de muitas jornadas. Experimenta-se como que um prazer sobrenatural ao utilizar, tanto as mãos como os pés para subir, progressivamente, tanto uma ladeira abrupta, como a cara de um penhasco, ou simplesmente uma rocha, e uma satisfação ainda mais intensa quando, depois de descer a salvo, ao olhar para cima e dizemos paraa nós mesmos “eu subi até ali acima?!”.


Por outro lado, os dois erros que cometem com mais frequência os novatos são: 

1 – Inclinar-se para a rocha

2 – Confiar demasiado nos pontos de apoio das mãos. É possível que nos sintamos mais seguros dessa forma, mas é uma sensação de segurança falsa.

As técnicas básicas para trepar são as mesmas que se utilizam para escalar. Trepar com os pés e as pernas e valer-se das mãos principalmente para manter o equilíbrio. Os escaladores chamam a esta técnica “ascenção equilibrada”. É necessário manter o peso do corpo sobre os pés, conservando uma posição erecta. As pernas devem fazer todo o trabalho. As mãos não se utilizam para ajudar a subir, mas sim como medida de segurança para o caso de que um pé deslize ou de pisar em vazio.


Devemos suspender o corpo de forma que sempre existam 3 pontos de apoio. É fundamental fazer com que a todo o momento estejamos em contacto com a rocha com as mãos e um pé, ou com os dois pés e uma mão. Desta forma contaremos com a segurança que nos dão os pontos de apoio, em caso de deslize de um pé ou de se soltar uma pedra na qual apoiavamos uma mão. Antes de confiar num ponto de apoio para colocar o peso do corpo ou para assegurar com um braço, deverá dar-se no mesmo uma pancada ou um golpe e assim garantimos que está firme e totalmente fixo à montanha.


Devemos mover-nos com suavidade, tentando não saltar ou balançar para alcançar um ponto de apoio e recorrendo constantemente e de forma prévia à visão para visualizarmos o que vamos subir. Depois procuramos novos pontos de apoio, concentrando-nos no que estamos a fazer. Se chegarmos a um beco sem saída, será melhor não perder tempo, será melhor retroceder até um local seguro e tentar subir por outro local.


Temos deparado constantemente com supostos Montanheiros que fazem diversas incursões na serra e inclusivé na montanha e para os quais, seja qual for o terreno, a atitude é sempre a mesma, o facto de terem força e resistência já é condição suficiente para subir qualquer montanha. Estes "montanheiros" são propensos a serem vítimas de acidentes menos ou mais graves num futuro próximo. Na montanha todo o cuidado é pouco, sendo a euforia e a adrenalina grandes inimigos de quem se aventura inconscientemente sem interesse em aprender mais. Por vezes um "susto" pode funcionar como uma grande lição, mas infelizmente e muitas vezes, esses "sustos" são fatais.

Resta-nos despedir de momento, com os votos de boas caminhadas e os votos de que disfrutem da natureza com toda a segurança. Nunca esqueçam que o perigo está sempre presente, mas não há necessidade de ir ao encontro dele provocando-o.

Obrigado pela vossa atenção.

Até breve

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