Nós, seres humanos, mantemos o conforto do corpo pela criação de um micro ambiente de ar aquecido próximo da pele. A combinação de baixas temperaturas, chuva e vento, removem este ar quente e pode iniciar uma perigosa redução de temperatura corporal. Se não controlarmos esta condição, poderemos entrar em hipotermia, que nos levará a incontroláveis tremores, perda de discernimento e eventualmente à morte.
As roupas protegem-nos do frio, do vento e da humidade. As roupas também nos devem ajudar a refrescar em casos de temperaturas elevadas. Esforços ou temperaturas excessivas podem causar ao corpo vestido inadequadamente, sofrimento e exaustão devido ao calor, tornando-se numa situação que pode ser tão mortal como a hipotermia.
Todo o montanhista é responsável pela sua própria segurança. Vestir-se adequadamente para o ambiente de montanha é fundamental.
No geral, o que dissermos da roupa está intimamente relacionado com o tempo, no Inverno usamos e levamos mais roupa do que no verão. O segredo está em levar a mínima roupa necessária para a nossa protecção e comodidade. O nosso objectivo é conservar a temperatura corporal interna do corpo, protegendo-nos do frio e da humidade, não esquecendo que o frio e a humidade não são apenas provocados pelos agentes externos, mas também pela transpiração que provocamos quando caminhamos. É lógico que devemos vestir algo para nos abrigar quando paramos para comer ou quando fazemos uma pausa para descansar, se não quisermos que a humidade do corpo nos arrefeça.
Uma vez vista a teoria, passemos aos tipos de roupa que podemos adquirir hoje em dia. O algodão, por exemplo, mantém a humidade do corpo e pode esfriar-nos, enquanto que maravilhas técnicas como o polipropileno permitem que o calor do corpo expulse a humidade, mantendo assim a capa interna da roupa seca e portanto protegida.
O objectivo da roupa é duplo. No verão protege-nos dos perigosos raios solares, que nos queimariam a pele se estivermos expostos a eles durante muito tempo. No Inverno, a roupa forma capas isolantes que retêm o ar aquecido pelo corpo, impedindo que se evapore por simples convecção. Além disso usamos uma terceira capa para o tempo húmido, que permite que as capas isolantes permaneçam secas e cumpram a sua missão. Este é, teoricamente, o conceito do vestuário em camadas.
O sistema de camadas
Começando pela camada mais interior e avançando para a exterior, temos em primeiro lugar a camada de transmissão de vapor, depois a camada isolante ou de aquecimento e por último, a camada protectora.
A Camada de transmissão de vapor
Inclusivé no verão, esta camada pode ser muito importante. A sua missão é absorver e transmitir a humidade corporal rapidamente e com eficácia para o meio exterior sem perder as suas próprias características isolantes. Até à pouco tempo, a lã era o material preferido para a vida ao ar livre, e continua a ser muito popular , no entanto apresenta dois inconvenientes importantes. Muita gente acha-a muito incómoda para usar próximo da pele, pois pica, arranha e necessita de muitos cuidados, além disso, após a usar durante um certo tempo, fica fria e húmida, sendo isso mesmo o que pretendemos evitar. Posteriormente chegou a roupa interior de malha. Este tipo de roupa costuma ter agulhas de corda, algodão e por vezes nylon. Ainda que pareça impossível, são estas agulhas que nos mantêm aquecidos ou frescos, conforme o que pretendemos. Quando colocamos esta roupa por debaixo de outra camada isolante, as agulhas fazem com que o ar permaneça imóvel e se aqueça em contacto com o corpo, fazendo um isolamento eficaz. Quando tivermos muito calor, abrimos a roupa para que saia o ar quente. Simples e eficaz. A malha também limita a absorção de humidade ao mínimo, e se molhar, seca rapidamente.
A malha, contudo, foi amplamente superada com a introdução no mercado, da roupa “tecnológica” e hoje os polipropilenos e o poliéster dominam o mundo da roupa interior. Estes tecidos mágicos são os mais leves de todas as fibras sintéticas, o que os torna ainda mais atractivos para os montanheiros. São confortáveis no contacto com a pele e o que é mais importante, eliminam a humidade melhor que a lã ou a malha. Esta ausência de absorção de humidade torna-os muito úteis também no verão, quando apenas usamos essa roupa. Não se tornam frios nem húmidos e são suficientemente leves para serem frescos. Debaixo de outra camada, permanecem sempre frescos e aquecidos.
A camada isolante ou de aquecimento
Podemos analisar agora a segunda camada, a que nos mantém aquecidos. Dependendo das circunstâncias, esta camada poderá ser uma camisola de lã (fibras naturais), um Jersey de gola alta, uma camisola de felpo ou uma camisola e alguns jerseys e/ou um colete acolchoado fabricados com tecidos sintéticos tipo fleece pile, polartec ou dracon. O importante é conseguir formar uma camada isolante que envolva o nosso corpo numa nuvem de ar imóvel e quente. O material que usarmos dependerá de uma série de factores: o peso, o volume, a humidade ambiente, o dinheiro que podemos disponibilizar e até certo ponto, a moda.
A introdução do Thinsulate e do Sontique, o conceito de isolamento sem volume, pressupõe um grande avanço para a roupa de montanha, porque nos permite levar roupa bem agasalhada debaixo das capas impermeáveis, que constituem a seguinte camada do sistema poupando espaço e peso na mochila e atingindo os objectivos para os quais foram idealizados.
A Camada de protecção externa
Esta camada exterior, protege a camada isolante da chuva, da neve e dos efeitos do vento que nos roubam calor, podendo ser blusões, anoraks, capas de chuva ou parcas. A configuração desta camada depende de diversos factores, mas principalmente das nossas finanças e da meteorologia que vamos encontrar na nossa expedição. Na prática, a nossa eleição neste capitulo será facilitada. O PTFE, ou se preferirem a terminologia técnica, o politetrafluoroetileno, é o mais evoluído que existe dentro dos materiais protectores, sendo mais conhecido no mercado com nomes como Gore-Tex, Klimate, etc. O PTFE é um laminado que permite a saída do vapor de água do interior, mas impede a entrada de água das gotas de chuva. É uma das maiores evoluções para o montanhismo desde a invenção da mochila. Felizmente já existem abrigos impermeáveis que ao mesmo tempo evitam a condensação interna.
Antes, usávamos distintos materiais como nylon, sobretudo para a chuva e para a neve. O problema era quando o corpo aquecia e começava a libertar vapor de água com a transpiração, empapando as nossas camadas isolantes. Com o PTFE o vapor de água passa pelos poros minúsculos do laminado empurrado pelo calor corporal, tornando a condensação mínima. Como estes poros são 400 vezes mais pequenos que uma gota de água, a chuva não pode penetrar desde o exterior.
O Gore-Tex, como outros laminados impermeáveis/transpiráveis, é dispendioso, mas protege infinitamente melhor que qualquer outra coisa, por isso vale a pena o desembolso. O Gore-Tex usa-se hoje em dia para tudo o que possamos imaginar, como botas, tendas, polainas, gorros, meias, calças etc. É simplesmente fantástico e tornou a vida do montanheiro muito mais fácil e confortável.
Protecção da cabeça
A cabeça apenas representa cerca de 20% da superfície corporal, mas como apenas tem a protecção de tecidos adiposos, podemos perder por ela, quase 40% do calor total do nosso corpo. Portanto, a cabeça é a primeira parte do corpo que deve ser destapada quando estivermos muito quentes, e a primeira parte a cobrir, quando estivermos com frio.
Para protegermos a cabeça do frio, podemos usar um passamontanhas fino se não estiver demasiado frio, ou usar um de forro polar para temperaturas extremas. Para evitar o vento podemos utilizar o capuz do blusão ou também passamontanhas ou gorros com membrana corta vento. Uma opção polivalente, são os tipo Buff, que têm imensas utilidades, além de ocuparem pouco espaço e terem um peso reduzido.
Quando estivermos no meio de uma tempestade, será muito útil uma máscara de neoprene, pois mantém o calor e evita que a neve machuque a pele da cara ao chocar contra ela a grande velocidade.
O Gorro. É usado em função da situação e da personalidade de cada um. Os montanheiros usam vários e diferentes tipos de gorros. No entanto, as qualidades de um bom gorro são, pouco peso, boa ventilação e protecção adequada contra o sol, o frio e o vento. No inverno o gorro deverá ser suficientemente comprido para proteger as orelhas.
Protecção das mãos
Da mesma forma que fazemos a protecção do corpo, também devemos seguir a teoria das camadas para as mãos. Como luva interior ou primeira camada, é recomendável uma luva fina de polipropileno e por cima destas utilizaremos umas luvas de forro ou de lã.
Para a camada exterior convém utilizar uma luva impermeável, fabricada com uma membrana microporosa ou polimérica, podendo ser luva ou manápula. A luva permite maior mobilidade, mas é mais difícil de colocar do que a manápula.
Devemos ter presente que a manápula será muito mais quente que a luva, uma vez que os dedos se estarão a tocar e por condução, os dedos que tenham menos corrente sanguínea aproveitam-se dos que geram mais calor. Como as manobras mais delicadas com manápolas se tornam mais difíceis do que com luvas, uma opção interessante é usar uma manápola tridedo, que separa o dedo indicador dos outros dedos .
O problema de umas mãos frias não se aplica apenas às luvas, devemos ter atenção a outros pormenores como punhos pouco herméticos, levar pulseiras ou relógios ajustados, pois com estas situações vai-se perder calor ou gerando menos do que o que necessitamos.
Protecção das pernas
As camadas que se aplicam para o tronco são idênticas para as pernas. A diferença verifica-se nas calças da camada de protecção externa e nas polainas. As calças devem ter fechos laterais para em caso de necessidade, poderem ser abertos facilitando a saída da transpiração e refrescar-nos. Devem ter protecções reforçadas nos joelhos, entre as pernas e na zona dos glúteos. O seu desenho deve facilitar as necessidades fisiológicas. Devem possuir um sistema de fechos que permita colocar e tirar as calças sem retirar os pés do chão.
Como protecção extra contra os pés molhados, para além de uma boa bota, devemos colocar um par de polainas impermeáveis, quando caminharmos em neve profunda, erva alta ou quando o tempo estiver húmido. As polainas cobrem o espaço entre a parte superior das botas e o final das calças, evitando que as calças ou as meias se molhem. Além destas particularidades, ainda nos protegem as pernas abaixo dos joelhos, do vento servindo como camada extra de isolamento.
Considerações sobre a roupa
Nos últimos 10 anos assistimos a uma significativa revolução no fabrico de roupa para o campo. Hoje em dia é norma para os montanheiros, irem vestidos dos pés à cabeça com tecidos sintéticos desde o polipropileno da roupa interior até às camadas protegidas com Gore-Tex. Os novos materiais, não só funcionam melhor que os seus antecessores, como também são mais leves no que concerne ao peso, mais fáceis de cuidar, mais compactos e mais duradoiros. No entanto devemos recordar sempre que este é apenas um meio para alcançar um fim. Será apenas um pormenor que facilitará a nossa saída para os lugares mais agrestes da montanha. Nem o melhor equipamento será um passaporte para estes locais, simplesmente se limitará a facilitar-nos o caminho e a distância. A comodidade e a protecção são as chaves da roupa funcional, muito mais que o aspecto. Se dia após dia nos sentimos incómodos, não tardará a chegar o descontentamento e o mau humor. A comodidade da roupa também exige um peso leve e uma ventilação adequada. A facilidade que se pode usar e tirar a roupa, especialmente num espaço limitado como uma tenda, também deve ser levado em conta. O montanheiro deve evitar que o corpo sofra calor, frio e humidade desnecessariamente, separados ou em combinação. Daí vem a importância das camadas.
Devemos ser capazes de ajustar a nossa roupa com rapidez e eficácia de forma a estarmos em sintonia com o tempo e para ajudar a controlar o calor que geramos. A vantagem das camadas é que quando tivermos muito calor podemos sempre tirar algumas peças de roupa para refrescar o corpo e por outro lado, quando tivermos muito frio, podemos sempre vestir mais algumas peças de roupa de forma a mantermos estável a temperatura do nosso corpo. Concerteza não será necessário usar todas as peças de roupa citadas de uma vez, mas convém telas connosco, pois a meteorologia na montanha pode mudar bruscamente. Por outro lado convém ter roupa para mudar na tenda, pois as noites na montanha são particularmente longas e se tivermos no corpo, roupas humedecidas, poderemos vir a ter graves problemas. Será boa ideia levar sempre um gorro suplente na mochila, não esqueçamos que a cabeça perde uma grande quantidade de calor corporal, portanto se sentirmos frio e colocarmos um gorro, notaremos a diferença no resto do corpo. Por outro lado, não devemos ceder à tentação de usar durante o dia, a roupa que usamos para dormir, principalmente as meias. É agradável e excelente para a moral vestir roupa seca e quente para dormir no saco cama, mas devemos trocar a roupa pela manhã de forma a mantermos essa roupa em perfeitas condições de conforto. Sabe melhor usar as meias da noite no dia seguinte, do que calçar novamente as meias humedecidas da marcha do dia anterior, no entanto após calçarmos as meias humedecidas e iniciarmos a marcha, nem damos conta disso.
Cuidados a ter com a roupa impermeável
. A sujidade e o suor podem obstruir e sujar os microcorpos do tecido, diminuindo a sua transpirabilidade.
. Manter a roupa limpa ajuda a permitir que funcione com toda a sua capacidade.
. Alguns tipos de detergente podem destruir quimicamente alguns elementos da cobertura, portanto devem ler as etiquetas e seguir as instruções de lavagem e secagem do fabricante. No entanto é uma péssima ideia colocar este tipo de roupa numa máquina de lavar, pois o movimento rotativo da máquina destrói a parte hidrófuga da roupa.
. É conveniente aplicar um spray hidrófugo periodicamente neste tipo de roupa para manter mais duradoira a impermeabilidade.
Detalhes importantes de um blusão impermeável
. O fecho (zipper) deve ter duplo sentido
. Protecção interior por detrás do fecho
. Protecção exterior do fecho com sistema de velcro
. Bolsos exteriores, os interiores são desnecessários, com fecho vertical ou diagonal e sempre com protecção exterior
. O capuz, suficientemente grande para usar com o capacete, acomodando sempre os movimentos da cabeça, e não amovível
. Fecho de punhos de regulação rápida em velcro
. Reforços exteriores anti-abrasão
. O mínimo possível de costuras exteriores
. Todas as costuras devem estar interiormente termoseladas
Esperamos ter elucidado algumas dúvidas que poderiam existir, desejando desde já caminhadas agradáveis e confortáveis.
Trabalho que, entre outras virtudes, tem muita objectividade o que lhe favorece a sua utilidade e, sobretudo, é de salientar-se o seu rigor esquemático. Parabéns ao seu autor.
ResponderEliminarUm trabalho que,entre outras virtudes, como a sua objectividade e clareza, prima ou sobressai pelo seu rigor esquemático. Parabéns ao seu autor.
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